quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Existem coisas tão óbvias (...)

Fingi na Hora de Rir by Los Hermanos on Grooveshark


Existem coisas tão óbvias, mas tão óbvias, que negá-las é tão contraditório quanto questionar a graça que há entre Peter e Mary Jane. Então, vê se faz melhor essa coisa de agir como se eu não existisse.

O primeiro motivo pra isso? Sim, eu existo, não fui pra Nowhere Land ser o Nowhere Man e fazer meus nowhere plans. Estive e estou aqui, como tu bem pode ver. Admito que passei um tempo trancafiado num quarto procurando em alguma distração fazer com que o tempo passasse e curasse certos machucados. É, nem sempre funciona.

O segundo motivo? Bem, o segundo é que tu faz essa coisa de “ele não existe” muito mal mesmo. Não dá pra fingir que eu não existo catando uma oportunidade pra rondar por perto, deixando escapar comentários ou pensando alto coisas que sussurram “queria que ele soubesse disso”.

O terceiro? Não posso desaparecer do nada contigo prestando atenção no que eu digo, escuto, canto, grito, ou até mesmo calo. Desviar o olhar, corar e abaixar a cabeça ligeiramente, também aviso, não funciona!

Sim, há outras diversas razões – já que tu gosta tanto disso, “razões” – que deixam escapar o óbvio ululante, mas a principal de todas é que ainda vejo afeto nos teus olhos, e onde tem afeto tem vontade, e mesmo com esse jogo de não se conhecer, ainda consigo te fazer rir, então é óbvio mais uma vez que ainda consigo te fazer sorrir como ninguém o fez.

A propósito: a tua própria negação já é uma obviedade.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Réquiem

Dezesseis by Legião Urbana on Grooveshark

18h34min.

Maria preparava a janta baseada na vasta sobra do almoço dominical. Naquele dia, ficou um prato a mais na mesa, o que serviu pra refletir de como uma simples presença fazia falta mesmo se, como de costume, ela estivesse ali com a sua quietude habitual. Os outros fizeram o de sempre: comeram, conversaram qualquer bobagem irrelevante, se atiraram num sofá na tarde preguiçosa e primaveril e depois seguiram seus rumos. Um de volta à viagem, o outro de volta à frente de um computador, o outro pro quarto. Enquanto isso, Maria, com o coração cheio (mas sempre com espaço pra mais um), esperava mais um deles chegar pra perguntar como estava, passar a mão no rosto, desejar boa noite e deixá-lo no seu canto.

Madalena se comunicou com ele pela tarde. Na verdade, era uma sobra de mensagens que ficaram pra trás na noite anterior, com conteúdo cheio de troca de piadas, carinhos e caçoadas subentendidas dentro da bonita amizade que se estabeleceu entre os dois. Ela sabia que ele estaria ocupado durante a tarde com Zeppelin, Beatles, Rolling Stones, e estava feliz por perceber que ele estava empolgado e cheio de vida, fazendo aquilo que gosta, e, assim, estar preenchendo uns espaços dolorosos que, assim como ela, insistiam em latejar no peito. E assim ela esperava ele chegar, pra dar uma volta ao vento, jogar conversa fora, receber um abraço e combinar algo pra semana.

Lucy não sabia onde ele estava. Não tinha o procurado, nem sabia o que pensar quando ele vinha em mente. Mas ele vinha em mente, era inevitável. Ela tinha vontade de lhe falar uma série de coisas e, às vezes, ao deitar, era também inevitável que a história deles, um tanto recente, habitasse sua mal dormida noite ou invadisse seus sonhos. Foi o caso daquelas últimas 24 horas. Ela pensou nele, o quanto as coisas faziam sentido, o quanto certos detalhes eram tão únicas e tão bonitos.

Decidiu não pensar no lado ruim das coisas, naquilo que os atrapalhava e no quanto ficaram perdidos depois que tudo se tornou nada. Decidiu ligar logo que acordou. Ela, enfim, resolveu pensar em redenção de si mesma e das resistências externas. Logo que acordou, decidiu fazer o que tanto gritava dentro dela, deixar de lutar contra si mesmo e ligar para ele. Chegou a pegar o telefone, destravar e travar o teclado várias vezes, no meio disso se contornava dentro do próprio quarto. Os pensamentos se repetiram ao longo de todo aquele dia, mas não se traduziram em atitudes. E já eram 34 minutos daquelas seis da tarde. Por orgulho, falta de coragem ou qualquer outra coisa, não o fez, resolveu deixar as coisas como estavam.

Maria viu Joãozinho sair cedo naquela tarde, com um pão na boca e palavras apressadas. Para Madalena, ele era Johnny, para Lucy, ele era Jude (trocadilho particular de uma das tantas coincidências que compartilhavam). Para os amigos que completavam a banda da cidade próxima, João era o cara: divertido, companheiro, carismático e um coração enorme. E assim, perto das 7 horas, com a tarde quase se esvaindo, ele guardou sua guitarra, deu um aperto de mão em seus colegas de ensaio e de domingo com uma alegria momentânea pela bela tarde que passou e se despediu.

Agora era hora de retomar o caminho de casa, colocar o carro na estrada e chegar ao universo que ele saiu logo após o meio-dia para retornar naquele fim de domingo. Passado a “obrigação” de ter que ensaiar, pensou na vida e na semana que viria. Lembrou de Maria, desejou sua comida quentinha e se perguntou se ela não estaria preocupada. Respondeu às mensagens de Madalena, e com um leve sorriso no rosto achou graça das palavras dela e combinou de encontrá-la mais tarde. Não conseguiu esquecer Lucy, e ao pensar nela em mais uma de tantas vezes, desejou que ela desse qualquer sinal de reaproximação e enfim retomarem o caminho simples e feliz de quem gosta um do outro.


20h17min.

Maria não entendeu quando autoridades bateram na sua porta. Também não entendeu o que eles falaram. Depois, em tom solene, repetiram e ainda sim ela não conseguiu assimilar aquela informação. Despencou. Não conseguiu entender a inversão da ordem vital. Precisou ajuda. A comida ainda estava quente esperando pelo seu Joãozinho.

Nessa hora, Madalena recebia mensagens por redes virtuais e não acreditava nas palavras de quem vinha lhe falar sobre um acontecimento. Achou, em um primeiro momento, uma brincadeira de mau gosto. Veio outra pessoa e lhe deu a mesma notícia. Veio outra pessoa e comentou sobre o mesmo fato. Parou. Não tinha fôlego, tinha ar. O tempo parou incrédulo. Procurou outras pessoas para que lhe dissessem que a verdade era outra. Mas não era.

Lucy voltou a pensar, enfim, em falar com seu “Jude”, solucionar os mal-entendidos e não achar que poderia ser tarde demais. Enquanto imaginava isso, recebeu uma ligação de alguém próximo relatando algo que minutos antes havia acontecido. Teve o mesmo choque das outras pessoas, mas algo gritou forte dentro dela: sim, era tarde demais!


19h56min.

Pra cada segundo antes desse horário, João sentiu e pensou em algo diferente. E cada segundo passou como se fossem anos, cada segundo foi como se fosse o último. No primeiro, assustado com a dupla de luzes em movimentos desconexos e o barulho de pneus que vinham em alta velocidade na sua direção, lembrou de momentos felizes da sua vida junto à sua família. No segundo, um filme de passagens legais junto à Madalena, seus amigos, sua banda. No terceiro, com a luz em velocidade constante e crescente, fechou os olhos e, num fade out sereno, suspirou. Dentro do seu último suspiro, pensou em Lucy e tudo aquilo que não puderam viver. Às 19 horas e 56 minutos daquele domingo, apagou-se uma outra luz devido a uma ligação não feita, em outro lugar, no início da tarde.