sexta-feira, 31 de maio de 2013

A épica batalha entre meu ego versus o que sinto

Til Kingdom Come by Coldplay on Grooveshark

Tantas noites pensando que uma hora cansa. Parece qualquer jogo, qualquer nóia, qualquer nada, mas é só tristeza, talvez teu endereço... Muito pouco a temer, muito pouco a prender, muito pra se aprender até se evoluir, ou tornar-se mais do que se é, mais do que a si mesmo, mesmo ao ser menos do que alguém que quer mais ser um vencedor.

Não se trata tanto de ser, mas sim de o quanto estar define o seu ser. E quantos “estares” mais houveram? Então isso se trata do orgulho, e o quanto ele defendia seu rei. E o orgulho cansou de ver sua majestade em pedaços em função dos ferimentos causados pelos sentimentos.

Gerou-se, primeiro, o conflito. O guardião leal do rei não poderia aceitar o que vinha do outro lado. Ele era a guarda real, e sua devoção e dedicação a isso eram a sua luta e o seu legado histórico. E ele não aceitou: não deixou que os sentimentos se aproximassem para ainda mais sangrar um rei quase moribundo.

Os sentimentos, que em outras épocas já foram mais calmos, e conviveram mais pacificamente com todo o sistema do reino, agora eram fortes, grandes, impacientes, cheios de paixões, ideologias, logo, não iriam retroceder, tinham argumentos e agiam de acordo com a sua natureza, ou seja, só sentiam e iam até aonde poderiam suportar e até o máximo que poderiam chegar. 

Por si só, o orgulho não iria se render. Ele era feito disso, sua luta era essa: feria-se a ele, chegava-se ao rei, e se isso fosse feito, perdia-se toda a razão de sua existência. E, agora, viu o exército oposto se juntar armado em campo de guerra para invadir o reino e fazer com que o rei decidisse a favor de suas reivindicações ou o próprio reino seria tomado e assumido por a maior autoridade daquele exército, um líder nato e aparentemente uma espécie de ícone dentre todos eles.

E o orgulho recorreu àqueles que poderiam se aliar a ele, mas recebeu negativas de todos. Não desistiu, resolveu ser o exército de um homem só daquele embate. Ficaria lá, pelo rei, pelo que acreditava, pelo visível mal que os sentimentos poderiam causar a um mestre quase desvanecido.

Gerou-se o confronto. Inevitável confronto. Infalível para um dos lados. O orgulho vestiu-se com a sua melhor armadura, guardada para o maior dos seus dias, com sua espada forjada a toda fúria e fogo que ele poderia reunir. De longe, e sozinho, viu a chegada de seus oponentes em marcha, com o barulho cada vez mais forte.

Não pestanejou, preparou sua solitária defesa e ataque com a reunião de todas as suas certezas, e não titubeou, nem um minuto. Quanto mais os sentimentos se aproximavam, mais a tensão aumentava, mais forte o pulso batia, e mais o cheiro de uma certeza inevitável de que nunca sairia dali tomava cada veia e cada gota de sangue que circulava borbulhante em si.

A cavalaria se aproximava, e já era forte o barulho do exército inimigo, quando o rei chamou seu guardião. Chegando perto de um rei que nada fazia e parecia esperar a despedida inevitável de um confronto que dividiria águas, disse: “senhor, eis aqui minha espada e minha força, e enquanto isso existir, eu irei brandeá-las com todo o meu louvor e devoção, e que o destino me coloque num lugar de redenção dentro da luta que em momento nenhum irei deixar de encará-la com o melhor que eu puder”. “Muito bem, meu filho, sabia que tu nunca me desapontarias, mas o destino tem que te falar agora, também, que o meu verdadeiro nome é coração, e todos eles são meus filhos. Tenha piedade com a inocência deles...”, disse a majestade, com seu velho corpo deitado embargando uma voz que quase não saiu.

O orgulho não sabia o que pensar, e só teve tempo para ver o volume do exército passando pela linha vermelha e foi lá lutar. Enrijeceu o cenho e a postura, deixou com que a adrenalina invadisse a cabeça e o sangue explodisse nos olhos. Foi, sozinho, contra o exército de sentimentos formado para tomar o lugar e as posturas daquela nação.

Ao rumar-se frente ao líder do exército inimigo, viu o quanto eles estavam perdidos, confusos, caminhando em direção errada, mas com a voz firme dentro de movimentos errantes. O único barulho feito pelo orgulho foi a subida do metal da espada em direção ao ar para depois endereçar o golpe ao capitão inimigo. No meio do caminho do seu braço em direção ao seu oponente, percebeu que todos eles, diferentes soldados do sentir marchando em fúria, eram cegos.

Lágrimas, sangue, fogo, confronto, paixão, incerteza do que há por vir, incerteza do que irá se tornar, vitórias que não trazem louros, derrotas que não fazem perder, dores que se fazem por si só, entregas que só são vistas a sós, a mesma lâmina que atravessa a carne mata e fere quem a empunha e quem a recebe...

Depois da declaração do rei, ele sabia que manter sua palavra e sua lealdade seria um caminho sem volta, e sua inspiradora majestade padeceria junto. Voltou ao leito, correndo, após sua jornada invicta, abrupta, sangrenta, embora piedosa, para ver o que ele teria a dizer: “morro junto com todos eles, meu caro e fiel escudeiro... Já estava escrito e esta é minha sina: morro por ser um coração que foi machucado por quem estava dentro dele”. Pouco importou. Caminho trilhado, batalha vencida, dias que insistirão em nascer, mas que sejam com lealdade, no mínimo, a si mesmo.

terça-feira, 14 de maio de 2013

De qualquer forma, obrigado por pensar em mim

Say It Aint So by Weezer on Grooveshark


Fico me perguntando se não sou uma espécie de Sad Keanu local, com uma vida a considerar e que daria inveja a outras pessoas, mas que prefere por si só ficar vagando por aí dentro da minha intransponível alma que cabe dentro de uma roupa qualquer, sentado em um banco qualquer, deixando passar alguma hora qualquer.

Não é que eu não tenha aspirações, apenas não me permito ser igual a tantos iguais, apenas me permito tentar ser eu mesmo, coisa em falta em tempos que aceitamos que uma foto compartilhada seja mais interessante do que uma conversa cara a cara.

É só um modo diferente de ver as coisas. O que se percebe facilmente é essa correria por dinheiro, status, admiração, bajulação, sexo, mais e mais e mais, e tudo do modo mais rápido que se puder. É um conceito de felicidade atual, que tem esse roteiro pré-determinado. Caminho de tantos, não meu. Ainda e sempre prefiro meus valores, minha identidade, meu canto.

Aliás, se notar (embora eu não saiba ao certo se eu quero que isso aconteça), estou em um canto em todo lugar que eu vou. Na casa de alguém, estou lá sentado de cabeça baixa em algum cômodo, na rua ando o mais estreito que puder junto aos muros, nos lugares com mais gente sempre fico escolhendo onde ficar para me tornar visível só a quem eu quero, e se me mostro, estou escondido atrás de um violão, de um copo, de uma pseudo-alegria, e então, no meu canto, permito-me deixar vir naturalmente todo sentimento que queira aparecer.

Pois é desta maneira que, de certa forma, também carrego a tristeza comigo. Acho ela, inclusive, uma amiga muito interessante, me mostra coisas que a alegria mascara. Conheço o final do poço, estive lá em algumas oportunidades, mas ao contrário do que se quer e do que se pensa, não fiquei implorando e choramingando para alguém me tirar dali.

Não fugi. Encarei a melancolia, perguntei o que ela queria comigo. Resolvi ficar. Resolvi fazer do poço minha sala de estar, e aprender a ver o que está em volta, e aprender a tirar a beleza diferenciada que ele me proporciona. Tem gente que tem estômago para isso, que senta nesse sofá e escuta o que a tristeza tem a dizer nesta nova visita.

Não me questione por isso, é desnecessário, não vou mudar e nem vou escutar os conselhos rasos que vierem. Sou assim e mais do que ninguém sei lidar comigo mesmo. Já diria alguém com o qual tenho uma certa afinidade: “Vocês precisam ser felizes pra viver, eu não”.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Carta aberta aos headphones

Paranoid Android by Radiohead on Grooveshark


Já achei que o mundo se tratasse da relação entre amor e ódio, já espraiei sobre o céu e o inferno e o quanto eles formam nossa sociedade... Meu time contra o seu maior rival, então, nem se fala. Mas o que realmente compreende, alivia, enriquece e dá significado ao o que o todo-poderoso disse ter criado é o espaço estabelecido entre o left e right de um headphone.

É, sim, isso mesmo, você mesmo, fone de ouvido. Cara, tu tem sido um amigo e tanto. Velho, tu nem sabe, mas tu tem me ajudado pra caralho, talvez sem nem perceber.  E digo mais: tu não sabe quando tu me acompanha e o quanto eu consigo fugir de um cotidiano que possivelmente me daria um tédio logo ali. Sei o quanto tu é importante porque sei a falta que tu faz, então não inventa de se estragar. Imagina a diferença entre um mundo sem e com fone de ouvido?

Isso porque com a tua ajuda consegue-se mudar o ambiente, e como tu deve saber, sou um cara que gosta de ser sozinho, mas não de me sentir sozinho, logo, aquelas noites em que estou descendo uma avenida qualquer, por exemplo, são as quais tu mais se destaca. Consigo ver aquelas formas geométricas sob outra ótica, e com algo de Liverpool soando em estéreo percebo a cidade de outra maneira, que me fazem fugir dessa época, dessas modas, dessas tendências...

O aleatório acaba também sendo alguém muito interessante, desde que quem o use não seja daquelas pessoas que tenham algo comprometedor na sua playlist. E, particularmente, o random tira onda comigo. Primeiro porque ele me saca de dentro de um teatro em Madri percebendo vírgula por vírgula a pronúncia de algum caminho de Fito até me mudar de galáxia e me presentear com Space Cowboy.  Segundo, porque ele é justo: não tem jogos, o que escolher vai ser tocado e pronto, e o destino da próxima canção é incerto (e não cairei na tentação de passar a música, até porque isso alteraria toda ordem destinada previamente, seria como criar uma nova linha de tempo com situações totalmente diferentes). Por último, devo lembrar que esse modo randômico já me levou a lembrar de certas situações, quando sorrateiramente, com tanta coisa pra colocar, dedicou naquele momento aquela música que ele sabia que não era pra tocar. Mas, obedecemos às regras, e então ela deve ser escutada até o fim. Pois é, essa mesma bendita ou maldita música imprópria me levou a lembrar de outras coisas, que também me levou a outros lugares, que levaram a outros momentos, e a refletir durante uma noite inteira...

Se afundar numa canção imprópria para o momento numa dessas noites é um risco que se corre, mas também é verdade que pela simples companhia de uma par de headphones, aquela tarde vazia fica consideravelmente melhor. Durante o dia, nós humanos e frutos do rico sistema que fazemos questão de estar (risos) temos vários espaços vazios, minutos desperdiçados esperando alguma coisa qualquer, mas que com eles são cheios. Uma fila acaba sendo um bom lugar pra ouvir o que Dylan diz, um ônibus atrasado acaba sendo a hora que tu conversa com Mayer, e em um supermercado Morrison fica rindo da minha cara enquanto tento me dar bem em direção ao caixa com menos gente e acaba acontecendo um problema no cartão de crédito da pessoa da frente, e assim sou subsidiado em várias situações cotidianistas.

Enfim, algumas coisas que se compreendem no espaço estabelecido entre o left e right de um headphone.

terça-feira, 26 de março de 2013

Meio-amargo

Bitter Sweet Symphony by The Verve on Grooveshark
Não sei direito sobre o que escrever. Acho que o vazio das pessoas resolveu, por fim, me apertar a mão e me olhar nos olhos, perguntar como eu estou e o que eu tenho feito. Isso tudo na tentativa de me seduzir a acompanhá-lo, pra que depois de algum tempo tome conta de mim, e quando eu tentar me afastar ele vai dizer que sentiu minha falta. "Aham".

Mais uma tônica egoísta e manipuladora essa postura de vários e vários habitantes desta vida que me foi gerada e me disseram (erroneamente) que eu poderia fazer o que quiser dela. Se assim for, deixe-me ir, de verdade. Sem estas promessas falsas, este olhar para trás como se quisesse me ver lá na frente, essas pistas querendo me prender emocionalmente por todo e sempre. Quer me segurar para quê? Para ter a segurança de que alguém vai estar lá por ti quando as suas outras escolhas convenientes não derem certo? Não.

Há de ser o viver esta sinfonia desconexa, agridoce, de notas previsíveis quando a gente deixa-se levar pelos caminhos já pré-estabelecidos e imprevisíveis quando o que se quer é uma melodia que preencha o espaço deixado pelos anseios e vontades verdadeiras que ainda não foram encontrados. O meu grito reverbera dentro desse espaço, e o eco se traduz em dor. 

Pra não dizer que não falei das águas de março, elas estão por aqui, me mostrando que há, embora resignada, a promessa de vida no meu coração. Por isso, temo não acreditar mais no amor. Temo ser mais uma destas embalagens humanas, recheadas de interesses sórdidos ou rasos que vagam sem sentido por aí. Sou temente a minha consciência, temente à criança que fui e que me olha de vez em quando e me suplica com aqueles mesmos olhos brilhantes e castanhos: "não te afasta de mim". 

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

De quartas-feiras, confetes e serpentinas

Chega de saudade by João Gilberto on Grooveshark


O carnaval passou e nem sei se eu nem vi, fruto desse mundo louco que a gente anda. Nem sei se veria mesmo, e se visse, colocaria a mesma velha calça jeans com uma camiseta preta desbotada e escutaria algo totalmente alheio, até pra implicar com toda aquela alegria que um dia chegou a contagiar mas hoje de longe se aproxima da minha empatia.

Sou daquele tipo de carnavalesco que não se esquece que a vida vai além de sábado à terça-feira de um fevereiro qualquer achando que tudo que se faz nesses quatro dias pode ser imune de todo julgamento. Não é, nem nunca foi, ao menos pra mim.

Vai ver é porque de tanto atuar como Pierrot que minha alma cansou um pouco disso tudo. Vai ver é porque tenho vivido várias e várias quartas-feiras cinzentas ao longo do ano que já não me deixo permitir uma alegria ilusória. Vai ver é porque busco pequenas porções de sorrisos em prazos longos ao invés de risos intensos com hora marcada para terminar e depois serem substituídos por uma dor de cabeça de um dia inteiro.

Guardei meu confete, por mais um ano, deixei minha fantasia atirada em um canto do roupeiro mais uma vez. Ao invés dela, visto a saudade apontada por Vinícius e o cotovelo machucado de Lupicínio, em busca de um sambinha lento e confortante, que me deixe quieto numa mesa de bar ao invés de correr pela avenida em busca do êxtase do bloco.

E assim se faz a minha escola de um único coração. Eu me torno esse mestre-sala bambo e só. Deixo a alegria pro Arlequim, pois em mim ela cairia como um sapato mal ajustado, uma calça mal passada e uma camisa de cores que não se conectam com as do rosto. E meu enredo do carnaval é assim como essas linhas tortas: cambaleante, sem início, meio ou fim. Tenho apenas, Colombina, aquele velho e choroso samba (que eu não sambo mais em vão).

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Crônica de ano novo e mesmos tempos

There Is a Light That Never Goes Out by The Smiths on Grooveshark

(Cataclismos diários de teus olhos e esses tantos apocalipses frustrados)

Não me importo com o futuro. Sou o que carrego comigo. Eu sei, isso te incomoda. Mas e então? Vamos torcer pro próximo apocalipse dar certo ou resolvemos fazer direito essa coisa chamada viver?

Se o próprio futuro não me incomoda (embora um único e relevante ponto), nem a própria morte mete medo. Se metesse, não estaria escutando There is a light that never goes out e me sentindo convencido a cada palavra escorregada por Morrissey.

Havia um parêntese no parágrafo anterior. Não, não tenho como ignorar ele. O plano muda, o ímpeto se divide entre o que se quer fazer/o que se pode fazer para as coisas irem bem, há um vento quente sempre soprando ao nosso favor que me impede de voar em busca de outros ares.

É algo muito estranho, incomum, grandioso, irritante e com cara de que não vai dar certo essa coisa de não conseguir pensar só em primeira pessoa. E pensa-se na próxima pessoa. Pensa-se pluralmente. Pensa-se na próxima bifurcação. Pensa-se na próxima (irônica e inevitável) coincidência, e pega-se de surpresa quando menos se espera. E quando acontece isso a noite muda, o ar muda, o efeito muda. Permito-me ser infame: de tanto que se muda, não obstante às vezes se cala.

Nesse momento, eu sei o que tu sente, pois sei o que acontece também comigo: sente-se a dor e a grandeza de se estar vivo. Vivo? Sentindo-se vivo? Talvez, mas sempre se perguntando se não vai haver algum apocalipse logo. Acho que não – nos resta viver. Que agora seja ao menos de um jeito convincente!

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Quântico

Coldplay - [Parachutes] - 02 - Shiver by Coldplay on Grooveshark

Quantas vezes vai ignorar? Quantas vezes vai me ignorar? Quantas vezes vai ignorar aquela chamada? Quantas vezes vai fazer de conta que aquela chamada não existisse? Quantas vezes vai olhar a página de chamadas e pensar porque orgulhos e indecisões não me atendeu? Quantas vezes vai pensar antes de dormir o motivo de não ter tido uma noite com um final diferente? Quantas vezes, quando acordar, vai simular em pensamentos o que poderíamos ter vivido a bem pouco atrás? Quantas vezes, ao longo do dia, vai simular em pensamentos o quanto poderíamos viver estando juntos e daqui pra frente? Quantas possibilidades vai pensar por cada mínima ação não feita? Quantas vezes vai se esforçar pra pensar em outra coisa quando estivermos só nós dois? Quantas vezes vai esquecer o bem que a gente se faz? Quantas vezes vai cair em si e saber que tem coisas em nós que tu não terá com ninguém? Que ética é essa em ignorar o que te faz feliz? Quantas vezes vai buscar segurança em outro cara ao invés de buscar felicidade comigo? Quantas mensagens desse cara tu vai olhar buscando essa mesma segurança e vai perceber que não é a mesma coisa do que há entre nós? Quantos sorrisos vai se esforçar pra dar ao invés de perder a conta de quantos deu sem perceber comigo? Quantas vezes vai desejar as minhas palavras e atitudes e lamentar o que não foi feito? Quantas vontades serão negadas? Quanto tempo vai demorar pra ceder a algo tão genuíno e único? E quantas vezes vai voltar à página de chamadas para ver meu nome e se perguntar tudo isso mais uma vez? Não falta quanto, mas quanta falta.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Embarque

Dogs by Pink F on Grooveshark
(Versão I)

- Enfim, acho que vou indo...

Ele deu mão em sua pequena bagagem, mas ficou ali parado, sem mover um passo qualquer, olhando para ela e esperando as suas palavras e suas ações.

- Tá bem, te cuida...

E ela também ficou ali parada, mas com um furacão dentro da cabeça. Ela queria que ele partisse, para que assim, ele pudesse realizar algumas de suas vontades sem que ela interferisse em nada.

Porém, outro pensamento incomodaria muito mais: eles se gostavam e tinham uma história, e ela provavelmente seria desfeita no momento que ele partisse, laços deixariam de existir, haveria uma bifurcação na estrada que os dois andavam juntos.

Foi assim, que veio, quase de súbito, a vontade de abraçá-lo o mais forte possível, dizer que ficasse, que não partisse para outros ares, mas sim para mais longe na estrada que já estava sendo trilhada. Ela até chegou a se inclinar, a esboçar milímetros à frente e segurá-lo para onde ela queria que sempre estivesse: no seu abraço. Mas relutou, não agiu de acordo com sua vontade, freou seu impulso e apenas assistiu ele partir em um horizonte que não encontraria jamais.

...

Mal sabia ela que eu, logo que me virei para ir embora, pensei em ficar, em reajustar os planos. Eu não deixaria de fazer nada, nem de saciar minhas vontades, apenas readaptaria minhas ações para que pudesse fazer o que mais queria na vida, estar perto dela. Se houvesse qualquer chamado, eu voltaria, mas ela deixou e eu deixei-me ir.

Jovem e destemido, fiquei afastado o tempo suficiente para me afastar dela. Era inevitável: se eu fosse, ela seguiria a sua vida, e eu a minha. Vivi, sim, bons momentos, novas experiências, conheci novas pessoas, me envolvi com outras mulheres, tive outras perspectivas e realidades.
Quando voltei, não era mais o mesmo, assim como ela também não. Viveu, estudou, namorou, morou em outros lugares, até sumir de mim por completo. Creio que assim como eu, ela sentiu que as ruas não eram mais as mesmas, as pessoas não eram mais as mesmas, os sentimentos não eram os mesmos, e a intensidade deles também era diferente.

Enfim, escolhi fazer algo por mim mesmo, pensar em mim antes de tudo, trabalhar firme e aproveitar as oportunidades que a vida me traria. Tornei-me cético, egoísta, escravo de uma situação social na qual aceitei suas condições. Acreditei na loucura diária do mercado, e que nele eu tinha um real motivo pra viver.

Assim, mantinha um aperto de mão firme e uma posição séria por onde ia. Ganhava a confiança das pessoas desse modo, e não porque as cativava com a minha essência, e sim com um jogo de interesses e necessidades. Como um jogo, necessitava-se de sagacidade: quando me viravam as costas, tinha a oportunidade de cravá-las uma faca e vice-versa. Os fins justificavam os meios e os cálculos me deixavam mais frio. Gozei de certo sucesso deste jeito, fui reconhecido pelos números que juntei, pela posição que eu representava. Fui ficando mais duro e mais velho, mais sem alma e mais sem cor.

Tive uma vida de sentimentos rasos. Hoje estou aqui, um velho homem 40 anos depois daquele abraço não dado, pensando como a minha vida foi vazia e minhas lutas foram sem sentido. Encontro-me sozinho, em um leito, com câncer, esperando a morte chegar para que isso termine de uma vez por todas. Esperando, inclusive, que isso termine com o meu doloroso coágulo de arrependimento na cabeça por não dedicar a minha vida a ela, e sim a mim mesmo.


(Versão II)

- Enfim, acho que vou indo...

Ele deu mão na pequena bagagem, mas ficou ali parado, sem mover um passo qualquer, olhando pra ela e esperando as suas palavras e suas ações.
- Tá bem, te cuida...

E ela também ficou ali parada, mas com um furacão dentro da cabeça. Ela queria que ele partisse, para que assim, ele pudesse realizar algumas de suas vontades sem que ela interferisse em nada.

Porém, outro pensamento incomodaria muito mais: eles se gostavam e tinham uma história, e ela provavelmente seria desfeita no momento que ele partisse, laços deixariam de existir, haveria uma bifurcação na estrada que andavam juntos.

Foi assim, que veio, quase de súbito, a vontade de abraçá-lo o mais forte possível, e de dizer que ficasse, que não partisse para outros ares, mas sim para mais longe na estrada que já estava sendo trilhada. Ela até chegou a se inclinar, a esboçar milímetros à frente e segurá-lo para onde ela queria que sempre estivesse: no seu abraço.

...

E então, eu esperei um segundo a mais. Estava a dois passos dela, e, de súbito, cada um deu um passo à frente. Envolvi-a o máximo que em meus braços, que colocou seu corpo pequeno todo junto ao meu, e ficou ali, parada, com a cabeça no meu peito e com os olhos fechados.
- Fica? Ela falou em um tom quase sem voz.

- Sim... Eu disse, quase como um murmúrio, e com a certeza de que nenhum lugar no mundo seria melhor que o nosso lugar.

As dificuldades não sumiram, os desafios ficaram cada vez maiores, a readaptação dos planos passaria por diversas dúvidas e intervenções, o caminho ficava tortuoso e a estrada dava sustos, mas não havia motivos pra desistir, havia motivos pra lutar, e o tamanho dos problemas pouco importa quando se tem uma razão maior.  E ela era a minha razão.

Assim a gente foi indo, o tempo foi passando e as coisas foram se ajeitando. Os dias foram ficando cada vez mais calmos e as tempestades, que antes assustavam, foram ficando chuvas leves de um início de outono que se repetia ano a ano.

Hoje foi um dia onde surgiu uma nova situação e, de fato, interessante. Descobri, através de uma consulta rotineira, um pequeno tumor. Não fiquei com a menor aflição. Meu único medo é abandoná-la, não poder mais contribuir com o meu braço para estender a ela em toda e qualquer situação. Isso me encoraja a passar por mais essa dificuldade, e, além do mais, sei que ela estará ao meu lado pra superar qualquer coisa.

Podemos dizer, sim, que um amor de tantas rugas já tem o seu lugar, então deixamos que o tempo nos leve, porque desde aquele abraço, há 40 anos, eu soube onde eu seria feliz.


(Versão final)

Não se sabe o que aconteceria 40 anos depois, muito menos o que foi falado no salão de embarque do Aeroporto Galeão pelos tripulantes do Vôo 447, que partira do Rio de Janeiro com direção à Paris na noite de 31 de maio de 2009. O que se sabe é que seu destino final não foi o Charles de Gaulle, e sim algum lugar no infinito azul turvo e implacável de um oceano com nome, e talvez morada, de paz.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Calibre

Ana's Song by Silverchair on Grooveshark


Naquela semana, senti que ela estava estranha. Fazia os mesmos gestos, as mesmas ações habituais, as mesmas palavras, mas estava estranha. A gente percebe, não tem uma lógica definida, é apenas uma intuição trabalhada, apenas uma percepção aguçada por tanto conviver e prestar atenção em algo que se gosta, assim como saber que aquela única nota estava errada no show ao vivo do seu guitarrista preferido.

E lá estava eu sentado no sofá de casa, perdido no meio de uma década ao avesso, sem saber direito quem eu era e nem o quanto valia meu dinheiro, folhando sem prestar nenhuma atenção as páginas de um jornal que escorria sangue e que através da tragédia promovia sua venda. Ironicamente, ele mesmo fazia campanha ao desarmamento de uma nação.

Ao olhar aquilo, lembrei o quanto valeria uns bons trocados um velho revólver que meu pai guardava dentro de uma caixa de sapato no fundo do seu roupeiro e que já tinha me liberado para trocá-la. Aquela arma nunca teve nenhuma finalidade, nunca protegeria nossa família de nada. Pelo contrário, poderia ser algo para aumentar um terror que tantas casas daquele infame país já haviam presenciado.

Em meio àquela tarde abafada e tão inútil quanto aquele cano 32, resolvi trocá-lo por uma grana considerável. Era uma maneira, também, de fazer algo por mim mesmo naquele dia distante e sem graça, e assim parar de me martelar o tempo todo pensando nela e qual seria o motivo de estar daquele jeito. Assim, refrescando a cabeça, eu também deixaria de ficar achando problema em cada vírgula mal colocada e que gerava um milhão de desconfianças.

Enfim, cabeça ocupada, sem espaço pra bobagens. Tirei algumas ideias ridículas da cabeça, envolvi o objeto em um pano, coloquei dentro de uma bolsa e rumei até a repartição do Governo que trocava armas por uma quantia em dinheiro. O ar da rua me fez bem, o trânsito me deixou alerta, o cheiro de uma padaria aguçou meu paladar, e assim por diante.

Depois de resolver esquecer aqueles pensamentos de uma vez por todas e pensar, positivamente, que aquele comportamento dela poderia ser apenas uma fase ou algo que interpretei mal, resolvi passar na sua casa, ver como estava, se já tinha chegado, fazer um carinho qualquer, combinar algo pra mais tarde e seguir meu caminho pra pegar aquela grana em troca do revolver.

Assim, desviei as três ou quatro quadras a mais que separavam o destino inicial da escala na sua casa, e fui leve ao encontro do prédio onde ela morava, em um lugar que já não tinha tanto movimento como as ruas anteriores. Enfim, era só uma passada rápida mesmo, daquelas pra fazer pensar: “lembre-se que eu existo, estou aqui por ti e pra ti”.

Logo ao dobrar a esquina, vejo um casal na porta do prédio, e sigo caminhando. Era um cara de costas e uma guria no degrau da entrada, abraçando ele por cima dos ombros, nariz com nariz. Continuei e pensei: será que ela já chegou? Será que está em casa? A gente costuma fazer isso no mesmo lugar.

Fui me aproximando, e há uns 30 metros daquele casal eu já tinha percebido que era ela mesma, mas aquele cara não era eu. Ninguém, no universo, soube da raiva que senti. Ninguém no mundo calcula o quanto o sangue ferveu. Eu não cabia em mim, então me aproximei mais um pouco para ter certeza, e tive.

Ela o afastou quando percebeu minha presença, e eu não conseguia sequer falar nada. Tinha uma energia suprema e extrema que tomou conta das minhas atitudes, do meu humor, da minha consciência. Eu sequer conseguia escutar as palavras dela tentando reduzir o que estava mais do que claro. Ali estava eu, em frente aos dois, tomado pela força de um vulcão em erupção, pensamento cego, sentimento abalado, uma imensa sensação indescritível de fúria. E com uma arma na mão.

Ninguém saberia calcular o certo e o errado naquele momento. Ninguém conseguiria medir qualquer atitude tomado de tamanha raiva. As consequências seriam todas justificáveis, e nem seria a primeira vez que isso aconteceria na humanidade. Não havia o discernimento do que era certo e errado. E havia coragem e determinação para fazer absolutamente qualquer coisa.

Houve sangue, mas apenas no meu olho. A raiva virou uma desolação tremenda, mas eu sabia, e isso me bastava, de quem eu era e os valores que eu carregava. Cambaleei, deixei aquela cena com uma tristeza profunda, e ainda ofegante veio a certeza de que a vida pagaria mais do que qualquer coisa que eu fizesse naquele momento, e esse seria o calibre mais poderoso. Prossegui meu caminho com um pensamento firme quando pensava no que recém havia acontecido: o inferno vai ter que esperar.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Aqueles dias mais uma vez

Além do que se vê by Los Hermanos on Grooveshark
Gostaria que soubesse que estou aqui pelo bem. Não vim brigar, não vim discutir, muito menos para me promover ou fazer propaganda de como tudo será belo daqui pra frente. Até porque sabemos que não será assim.

E se ando meio quieto, não pense em bobagem. Ando quieto porque aprendi que não se trata de falar, e sim de fazer, de pensar em quanto cada instante que ficou pra trás foi tão bom ou tão ruim. Eu aprendi, calado, com cada um deles, e sei muito bem o que deve ou não ser feito. Também sei as consequências do que é feito.

E aí tem algo interessante. Eu conheço a situação, te conheço, me conheço, sei de como o caso se trata, e também vejo esse mesmo saber em ti. Ainda não me sinto tão à vontade porque tenho todo o cuidado pra não forçar nada, e preciso de ti pra me dar essa confiança mais uma vez. 

Ainda tenho dificuldade em te dizer tchau. Lembra que quando a gente se despedia eu sempre tinha dificuldade em parar de te olhar? É porque sempre queria mais um pouco do teu rosto e do teu jeito. E também não tem escolha, nem sei o que pensar ou fazer. Não é opcional, eu só gosto de ti e pronto. Vai ver é fruto desse bem inacreditável que tu me traz.

Não gosto de lembrar dos dias vazios e das noites que ficava sem sono e sem tranquilidade, me revirando de um lado para o outro na cama, tentando afastar espíritos que rondavam o teto escuro do meu quarto e de vez em quando desciam para sussurrar em meu ouvido: “que diabos vocês foram fazer um com o outro?”.

Mas eles sumiram. Sei lá o que é o destino, mas ele trocou um hiato por ti e, a partir disso, um fardo de toneladas nas costas foi trocado por um sorriso no rosto. Por isso, retomo as coisas legais que estavam guardadas, deixo ódios e rancores pra quem quiser ficar com eles.

São outros dias, que tu podes estar não só mais na minha cabeça, mas ao meu lado, e se mais uma vez estamos aqui, não é algo pra passar em branco, não é uma história pra parar de ser escrita, não é algo singular deixado de lado. Mas não espera demais também, sinto tua falta e o teu abraço é como dormir em dias chuvosos.

Vamos pensar juntos mais uma vez. A calma e sabedoria do que se quer não nos leva à desistência, e sim ao próximo passo. Ah, sossego, diz pra mim o que é – me mostra como é... Sempre e em qualquer lugar vai ser turbulência dentro de mim quando tu não estiveres.