Tantas noites pensando que uma
hora cansa. Parece qualquer jogo, qualquer nóia, qualquer nada, mas é só
tristeza, talvez teu endereço... Muito pouco a temer, muito pouco a prender,
muito pra se aprender até se evoluir, ou tornar-se mais do que se é, mais do
que a si mesmo, mesmo ao ser menos do que alguém que quer mais ser um vencedor.
Não se trata tanto de ser, mas
sim de o quanto estar define o seu ser. E quantos “estares” mais houveram? Então
isso se trata do orgulho, e o quanto ele defendia seu rei. E o orgulho cansou
de ver sua majestade em pedaços em função dos ferimentos causados pelos
sentimentos.
Gerou-se, primeiro, o conflito. O
guardião leal do rei não poderia aceitar o que vinha do outro lado. Ele era a
guarda real, e sua devoção e dedicação a isso eram a sua luta e o seu legado
histórico. E ele não aceitou: não deixou que os sentimentos se aproximassem
para ainda mais sangrar um rei quase moribundo.
Os sentimentos, que em outras
épocas já foram mais calmos, e conviveram mais pacificamente com todo o sistema
do reino, agora eram fortes, grandes, impacientes, cheios de paixões,
ideologias, logo, não iriam retroceder, tinham argumentos e agiam de acordo com
a sua natureza, ou seja, só sentiam e iam até aonde poderiam suportar e até o
máximo que poderiam chegar.
Por si só, o orgulho não iria se
render. Ele era feito disso, sua luta era essa: feria-se a ele, chegava-se ao
rei, e se isso fosse feito, perdia-se toda a razão de sua existência. E, agora,
viu o exército oposto se juntar armado em campo de guerra para invadir o reino
e fazer com que o rei decidisse a favor de suas reivindicações ou o próprio
reino seria tomado e assumido por a maior autoridade daquele exército, um líder
nato e aparentemente uma espécie de ícone dentre todos eles.
E o orgulho recorreu àqueles que
poderiam se aliar a ele, mas recebeu negativas de todos. Não desistiu, resolveu
ser o exército de um homem só daquele embate. Ficaria lá, pelo rei, pelo que
acreditava, pelo visível mal que os sentimentos poderiam causar a um mestre quase
desvanecido.
Gerou-se o confronto. Inevitável
confronto. Infalível para um dos lados. O orgulho vestiu-se com a sua melhor
armadura, guardada para o maior dos seus dias, com sua espada forjada a toda
fúria e fogo que ele poderia reunir. De longe, e sozinho, viu a chegada de seus
oponentes em marcha, com o barulho cada vez mais forte.
Não pestanejou, preparou sua
solitária defesa e ataque com a reunião de todas as suas certezas, e não
titubeou, nem um minuto. Quanto mais os sentimentos se aproximavam, mais a
tensão aumentava, mais forte o pulso batia, e mais o cheiro de uma certeza
inevitável de que nunca sairia dali tomava cada veia e cada gota de sangue que
circulava borbulhante em si.
A cavalaria se aproximava, e já
era forte o barulho do exército inimigo, quando o rei chamou seu guardião.
Chegando perto de um rei que nada fazia e parecia esperar a despedida
inevitável de um confronto que dividiria águas, disse: “senhor, eis aqui minha
espada e minha força, e enquanto isso existir, eu irei brandeá-las com todo o
meu louvor e devoção, e que o destino me coloque num lugar de redenção dentro
da luta que em momento nenhum irei deixar de encará-la com o melhor que eu
puder”. “Muito bem, meu filho, sabia que tu nunca me desapontarias, mas o
destino tem que te falar agora, também, que o meu verdadeiro nome é coração, e
todos eles são meus filhos. Tenha piedade com a inocência deles...”, disse a
majestade, com seu velho corpo deitado embargando uma voz que quase não saiu.
O orgulho não sabia o que pensar,
e só teve tempo para ver o volume do exército passando pela linha vermelha e foi
lá lutar. Enrijeceu o cenho e a postura, deixou com que a adrenalina invadisse
a cabeça e o sangue explodisse nos olhos. Foi, sozinho, contra o exército de
sentimentos formado para tomar o lugar e as posturas daquela nação.
Ao rumar-se frente ao líder do
exército inimigo, viu o quanto eles estavam perdidos, confusos, caminhando em
direção errada, mas com a voz firme dentro de movimentos errantes. O único
barulho feito pelo orgulho foi a subida do metal da espada em direção ao ar
para depois endereçar o golpe ao capitão inimigo. No meio do caminho do seu
braço em direção ao seu oponente, percebeu que todos eles, diferentes soldados
do sentir marchando em fúria, eram cegos.
Lágrimas, sangue, fogo, confronto, paixão, incerteza do que há por vir, incerteza do que irá se tornar, vitórias que não trazem louros, derrotas que não fazem perder, dores que se fazem por si só, entregas que só são vistas a sós, a mesma lâmina que atravessa a carne mata e fere quem a empunha e quem a recebe...
Depois da declaração do rei, ele
sabia que manter sua palavra e sua lealdade seria um caminho sem volta, e sua
inspiradora majestade padeceria junto. Voltou ao leito, correndo, após sua
jornada invicta, abrupta, sangrenta, embora piedosa, para ver o que ele teria a
dizer: “morro junto com todos eles, meu caro e fiel escudeiro... Já estava
escrito e esta é minha sina: morro por ser um coração que foi machucado por
quem estava dentro dele”. Pouco importou. Caminho trilhado, batalha vencida,
dias que insistirão em nascer, mas que sejam com lealdade, no mínimo, a si
mesmo.