quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
Quântico
Quantas vezes vai ignorar? Quantas vezes vai me ignorar? Quantas vezes vai ignorar aquela chamada? Quantas vezes vai fazer de conta que aquela chamada não existisse? Quantas vezes vai olhar a página de chamadas e pensar porque orgulhos e indecisões não me atendeu? Quantas vezes vai pensar antes de dormir o motivo de não ter tido uma noite com um final diferente? Quantas vezes, quando acordar, vai simular em pensamentos o que poderíamos ter vivido a bem pouco atrás? Quantas vezes, ao longo do dia, vai simular em pensamentos o quanto poderíamos viver estando juntos e daqui pra frente? Quantas possibilidades vai pensar por cada mínima ação não feita? Quantas vezes vai se esforçar pra pensar em outra coisa quando estivermos só nós dois? Quantas vezes vai esquecer o bem que a gente se faz? Quantas vezes vai cair em si e saber que tem coisas em nós que tu não terá com ninguém? Que ética é essa em ignorar o que te faz feliz? Quantas vezes vai buscar segurança em outro cara ao invés de buscar felicidade comigo? Quantas mensagens desse cara tu vai olhar buscando essa mesma segurança e vai perceber que não é a mesma coisa do que há entre nós? Quantos sorrisos vai se esforçar pra dar ao invés de perder a conta de quantos deu sem perceber comigo? Quantas vezes vai desejar as minhas palavras e atitudes e lamentar o que não foi feito? Quantas vontades serão negadas? Quanto tempo vai demorar pra ceder a algo tão genuíno e único? E quantas vezes vai voltar à página de chamadas para ver meu nome e se perguntar tudo isso mais uma vez? Não falta quanto, mas quanta falta.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
Embarque
(Versão I)
- Enfim, acho que vou indo...
Ele deu mão em sua pequena bagagem, mas ficou ali parado, sem
mover um passo qualquer, olhando para ela e esperando as suas palavras e suas
ações.
- Tá bem, te cuida...
E ela também ficou ali parada, mas com um furacão dentro da
cabeça. Ela queria que ele partisse, para que assim, ele pudesse realizar algumas
de suas vontades sem que ela interferisse em nada.
Porém, outro pensamento incomodaria muito mais: eles se
gostavam e tinham uma história, e ela provavelmente seria desfeita no momento
que ele partisse, laços deixariam de existir, haveria uma bifurcação na estrada
que os dois andavam juntos.
Foi assim, que veio, quase de súbito, a vontade de abraçá-lo
o mais forte possível, dizer que ficasse, que não partisse para outros ares,
mas sim para mais longe na estrada que já estava sendo trilhada. Ela até chegou
a se inclinar, a esboçar milímetros à frente e segurá-lo para onde ela queria
que sempre estivesse: no seu abraço. Mas relutou, não agiu de acordo com sua
vontade, freou seu impulso e apenas assistiu ele partir em um horizonte que não
encontraria jamais.
...
Mal sabia ela que eu, logo que me virei para ir embora,
pensei em ficar, em reajustar os planos. Eu não deixaria de fazer nada, nem de
saciar minhas vontades, apenas readaptaria minhas ações para que pudesse fazer
o que mais queria na vida, estar perto dela. Se houvesse qualquer chamado, eu
voltaria, mas ela deixou e eu deixei-me ir.
Jovem e destemido, fiquei afastado o tempo suficiente para
me afastar dela. Era inevitável: se eu fosse, ela seguiria a sua vida, e eu a
minha. Vivi, sim, bons momentos, novas experiências, conheci novas pessoas, me
envolvi com outras mulheres, tive outras perspectivas e realidades.
Quando voltei, não era mais o mesmo, assim como ela também
não. Viveu, estudou, namorou, morou em outros lugares, até sumir de mim por
completo. Creio que assim como eu, ela sentiu que as ruas não eram mais as
mesmas, as pessoas não eram mais as mesmas, os sentimentos não eram os mesmos,
e a intensidade deles também era diferente.
Enfim, escolhi fazer algo por mim mesmo, pensar em mim antes
de tudo, trabalhar firme e aproveitar as oportunidades que a vida me traria.
Tornei-me cético, egoísta, escravo de uma situação social na qual aceitei suas condições.
Acreditei na loucura diária do mercado, e que nele eu tinha um real motivo pra
viver.
Assim, mantinha um aperto de mão firme e uma posição séria
por onde ia. Ganhava a confiança das pessoas desse modo, e não porque as
cativava com a minha essência, e sim com um jogo de interesses e necessidades. Como
um jogo, necessitava-se de sagacidade: quando me viravam as costas, tinha a
oportunidade de cravá-las uma faca e vice-versa. Os fins justificavam os meios
e os cálculos me deixavam mais frio. Gozei de certo sucesso deste jeito, fui
reconhecido pelos números que juntei, pela posição que eu representava. Fui
ficando mais duro e mais velho, mais sem alma e mais sem cor.
Tive uma vida de sentimentos rasos. Hoje estou aqui, um
velho homem 40 anos depois daquele abraço não dado, pensando como a minha vida
foi vazia e minhas lutas foram sem sentido. Encontro-me sozinho, em um leito,
com câncer, esperando a morte chegar para que isso termine de uma vez por todas.
Esperando, inclusive, que isso termine com o meu doloroso coágulo de
arrependimento na cabeça por não dedicar a minha vida a ela, e sim a mim mesmo.
(Versão II)
- Enfim, acho que vou indo...
Ele deu mão na pequena bagagem, mas ficou ali parado, sem
mover um passo qualquer, olhando pra ela e esperando as suas palavras e suas
ações.
- Tá bem, te cuida...
E ela também ficou ali parada, mas com um furacão dentro da
cabeça. Ela queria que ele partisse, para que assim, ele pudesse realizar
algumas de suas vontades sem que ela interferisse em nada.
Porém, outro pensamento incomodaria muito mais: eles se
gostavam e tinham uma história, e ela provavelmente seria desfeita no momento
que ele partisse, laços deixariam de existir, haveria uma bifurcação na estrada
que andavam juntos.
Foi assim, que veio, quase de súbito, a vontade de abraçá-lo
o mais forte possível, e de dizer que ficasse, que não partisse para outros
ares, mas sim para mais longe na estrada que já estava sendo trilhada. Ela até
chegou a se inclinar, a esboçar milímetros à frente e segurá-lo para onde ela
queria que sempre estivesse: no seu abraço.
...
E então, eu esperei um segundo a mais. Estava a dois passos
dela, e, de súbito, cada um deu um passo à frente. Envolvi-a o máximo que em
meus braços, que colocou seu corpo pequeno todo junto ao meu, e ficou ali,
parada, com a cabeça no meu peito e com os olhos fechados.
- Fica? Ela falou em um tom quase sem voz.
- Sim... Eu disse, quase como um murmúrio, e com a certeza
de que nenhum lugar no mundo seria melhor que o nosso lugar.
As dificuldades não sumiram, os desafios ficaram cada vez
maiores, a readaptação dos planos passaria por diversas dúvidas e intervenções,
o caminho ficava tortuoso e a estrada dava sustos, mas não havia motivos pra
desistir, havia motivos pra lutar, e o tamanho dos problemas pouco importa
quando se tem uma razão maior. E ela era
a minha razão.
Assim a gente foi indo, o tempo foi passando e as coisas
foram se ajeitando. Os dias foram ficando cada vez mais calmos e as tempestades,
que antes assustavam, foram ficando chuvas leves de um início de outono que se
repetia ano a ano.
Hoje foi um dia onde surgiu uma nova situação e, de fato,
interessante. Descobri, através de uma consulta rotineira, um pequeno tumor.
Não fiquei com a menor aflição. Meu único medo é abandoná-la, não poder mais
contribuir com o meu braço para estender a ela em toda e qualquer situação.
Isso me encoraja a passar por mais essa dificuldade, e, além do mais, sei que ela
estará ao meu lado pra superar qualquer coisa.
Podemos dizer, sim, que um amor de tantas rugas já tem o seu
lugar, então deixamos que o tempo nos leve, porque desde aquele abraço, há 40
anos, eu soube onde eu seria feliz.
(Versão final)
Não se sabe o que aconteceria 40 anos depois, muito menos o
que foi falado no salão de embarque do Aeroporto Galeão pelos tripulantes do
Vôo 447, que partira do Rio de Janeiro com direção à Paris na noite de 31 de
maio de 2009. O que se sabe é que seu destino final não foi o Charles de
Gaulle, e sim algum lugar no infinito azul turvo e implacável de um oceano com
nome, e talvez morada, de paz.
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