quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Quântico

Coldplay - [Parachutes] - 02 - Shiver by Coldplay on Grooveshark

Quantas vezes vai ignorar? Quantas vezes vai me ignorar? Quantas vezes vai ignorar aquela chamada? Quantas vezes vai fazer de conta que aquela chamada não existisse? Quantas vezes vai olhar a página de chamadas e pensar porque orgulhos e indecisões não me atendeu? Quantas vezes vai pensar antes de dormir o motivo de não ter tido uma noite com um final diferente? Quantas vezes, quando acordar, vai simular em pensamentos o que poderíamos ter vivido a bem pouco atrás? Quantas vezes, ao longo do dia, vai simular em pensamentos o quanto poderíamos viver estando juntos e daqui pra frente? Quantas possibilidades vai pensar por cada mínima ação não feita? Quantas vezes vai se esforçar pra pensar em outra coisa quando estivermos só nós dois? Quantas vezes vai esquecer o bem que a gente se faz? Quantas vezes vai cair em si e saber que tem coisas em nós que tu não terá com ninguém? Que ética é essa em ignorar o que te faz feliz? Quantas vezes vai buscar segurança em outro cara ao invés de buscar felicidade comigo? Quantas mensagens desse cara tu vai olhar buscando essa mesma segurança e vai perceber que não é a mesma coisa do que há entre nós? Quantos sorrisos vai se esforçar pra dar ao invés de perder a conta de quantos deu sem perceber comigo? Quantas vezes vai desejar as minhas palavras e atitudes e lamentar o que não foi feito? Quantas vontades serão negadas? Quanto tempo vai demorar pra ceder a algo tão genuíno e único? E quantas vezes vai voltar à página de chamadas para ver meu nome e se perguntar tudo isso mais uma vez? Não falta quanto, mas quanta falta.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Embarque

Dogs by Pink F on Grooveshark
(Versão I)

- Enfim, acho que vou indo...

Ele deu mão em sua pequena bagagem, mas ficou ali parado, sem mover um passo qualquer, olhando para ela e esperando as suas palavras e suas ações.

- Tá bem, te cuida...

E ela também ficou ali parada, mas com um furacão dentro da cabeça. Ela queria que ele partisse, para que assim, ele pudesse realizar algumas de suas vontades sem que ela interferisse em nada.

Porém, outro pensamento incomodaria muito mais: eles se gostavam e tinham uma história, e ela provavelmente seria desfeita no momento que ele partisse, laços deixariam de existir, haveria uma bifurcação na estrada que os dois andavam juntos.

Foi assim, que veio, quase de súbito, a vontade de abraçá-lo o mais forte possível, dizer que ficasse, que não partisse para outros ares, mas sim para mais longe na estrada que já estava sendo trilhada. Ela até chegou a se inclinar, a esboçar milímetros à frente e segurá-lo para onde ela queria que sempre estivesse: no seu abraço. Mas relutou, não agiu de acordo com sua vontade, freou seu impulso e apenas assistiu ele partir em um horizonte que não encontraria jamais.

...

Mal sabia ela que eu, logo que me virei para ir embora, pensei em ficar, em reajustar os planos. Eu não deixaria de fazer nada, nem de saciar minhas vontades, apenas readaptaria minhas ações para que pudesse fazer o que mais queria na vida, estar perto dela. Se houvesse qualquer chamado, eu voltaria, mas ela deixou e eu deixei-me ir.

Jovem e destemido, fiquei afastado o tempo suficiente para me afastar dela. Era inevitável: se eu fosse, ela seguiria a sua vida, e eu a minha. Vivi, sim, bons momentos, novas experiências, conheci novas pessoas, me envolvi com outras mulheres, tive outras perspectivas e realidades.
Quando voltei, não era mais o mesmo, assim como ela também não. Viveu, estudou, namorou, morou em outros lugares, até sumir de mim por completo. Creio que assim como eu, ela sentiu que as ruas não eram mais as mesmas, as pessoas não eram mais as mesmas, os sentimentos não eram os mesmos, e a intensidade deles também era diferente.

Enfim, escolhi fazer algo por mim mesmo, pensar em mim antes de tudo, trabalhar firme e aproveitar as oportunidades que a vida me traria. Tornei-me cético, egoísta, escravo de uma situação social na qual aceitei suas condições. Acreditei na loucura diária do mercado, e que nele eu tinha um real motivo pra viver.

Assim, mantinha um aperto de mão firme e uma posição séria por onde ia. Ganhava a confiança das pessoas desse modo, e não porque as cativava com a minha essência, e sim com um jogo de interesses e necessidades. Como um jogo, necessitava-se de sagacidade: quando me viravam as costas, tinha a oportunidade de cravá-las uma faca e vice-versa. Os fins justificavam os meios e os cálculos me deixavam mais frio. Gozei de certo sucesso deste jeito, fui reconhecido pelos números que juntei, pela posição que eu representava. Fui ficando mais duro e mais velho, mais sem alma e mais sem cor.

Tive uma vida de sentimentos rasos. Hoje estou aqui, um velho homem 40 anos depois daquele abraço não dado, pensando como a minha vida foi vazia e minhas lutas foram sem sentido. Encontro-me sozinho, em um leito, com câncer, esperando a morte chegar para que isso termine de uma vez por todas. Esperando, inclusive, que isso termine com o meu doloroso coágulo de arrependimento na cabeça por não dedicar a minha vida a ela, e sim a mim mesmo.


(Versão II)

- Enfim, acho que vou indo...

Ele deu mão na pequena bagagem, mas ficou ali parado, sem mover um passo qualquer, olhando pra ela e esperando as suas palavras e suas ações.
- Tá bem, te cuida...

E ela também ficou ali parada, mas com um furacão dentro da cabeça. Ela queria que ele partisse, para que assim, ele pudesse realizar algumas de suas vontades sem que ela interferisse em nada.

Porém, outro pensamento incomodaria muito mais: eles se gostavam e tinham uma história, e ela provavelmente seria desfeita no momento que ele partisse, laços deixariam de existir, haveria uma bifurcação na estrada que andavam juntos.

Foi assim, que veio, quase de súbito, a vontade de abraçá-lo o mais forte possível, e de dizer que ficasse, que não partisse para outros ares, mas sim para mais longe na estrada que já estava sendo trilhada. Ela até chegou a se inclinar, a esboçar milímetros à frente e segurá-lo para onde ela queria que sempre estivesse: no seu abraço.

...

E então, eu esperei um segundo a mais. Estava a dois passos dela, e, de súbito, cada um deu um passo à frente. Envolvi-a o máximo que em meus braços, que colocou seu corpo pequeno todo junto ao meu, e ficou ali, parada, com a cabeça no meu peito e com os olhos fechados.
- Fica? Ela falou em um tom quase sem voz.

- Sim... Eu disse, quase como um murmúrio, e com a certeza de que nenhum lugar no mundo seria melhor que o nosso lugar.

As dificuldades não sumiram, os desafios ficaram cada vez maiores, a readaptação dos planos passaria por diversas dúvidas e intervenções, o caminho ficava tortuoso e a estrada dava sustos, mas não havia motivos pra desistir, havia motivos pra lutar, e o tamanho dos problemas pouco importa quando se tem uma razão maior.  E ela era a minha razão.

Assim a gente foi indo, o tempo foi passando e as coisas foram se ajeitando. Os dias foram ficando cada vez mais calmos e as tempestades, que antes assustavam, foram ficando chuvas leves de um início de outono que se repetia ano a ano.

Hoje foi um dia onde surgiu uma nova situação e, de fato, interessante. Descobri, através de uma consulta rotineira, um pequeno tumor. Não fiquei com a menor aflição. Meu único medo é abandoná-la, não poder mais contribuir com o meu braço para estender a ela em toda e qualquer situação. Isso me encoraja a passar por mais essa dificuldade, e, além do mais, sei que ela estará ao meu lado pra superar qualquer coisa.

Podemos dizer, sim, que um amor de tantas rugas já tem o seu lugar, então deixamos que o tempo nos leve, porque desde aquele abraço, há 40 anos, eu soube onde eu seria feliz.


(Versão final)

Não se sabe o que aconteceria 40 anos depois, muito menos o que foi falado no salão de embarque do Aeroporto Galeão pelos tripulantes do Vôo 447, que partira do Rio de Janeiro com direção à Paris na noite de 31 de maio de 2009. O que se sabe é que seu destino final não foi o Charles de Gaulle, e sim algum lugar no infinito azul turvo e implacável de um oceano com nome, e talvez morada, de paz.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Calibre

Ana's Song by Silverchair on Grooveshark


Naquela semana, senti que ela estava estranha. Fazia os mesmos gestos, as mesmas ações habituais, as mesmas palavras, mas estava estranha. A gente percebe, não tem uma lógica definida, é apenas uma intuição trabalhada, apenas uma percepção aguçada por tanto conviver e prestar atenção em algo que se gosta, assim como saber que aquela única nota estava errada no show ao vivo do seu guitarrista preferido.

E lá estava eu sentado no sofá de casa, perdido no meio de uma década ao avesso, sem saber direito quem eu era e nem o quanto valia meu dinheiro, folhando sem prestar nenhuma atenção as páginas de um jornal que escorria sangue e que através da tragédia promovia sua venda. Ironicamente, ele mesmo fazia campanha ao desarmamento de uma nação.

Ao olhar aquilo, lembrei o quanto valeria uns bons trocados um velho revólver que meu pai guardava dentro de uma caixa de sapato no fundo do seu roupeiro e que já tinha me liberado para trocá-la. Aquela arma nunca teve nenhuma finalidade, nunca protegeria nossa família de nada. Pelo contrário, poderia ser algo para aumentar um terror que tantas casas daquele infame país já haviam presenciado.

Em meio àquela tarde abafada e tão inútil quanto aquele cano 32, resolvi trocá-lo por uma grana considerável. Era uma maneira, também, de fazer algo por mim mesmo naquele dia distante e sem graça, e assim parar de me martelar o tempo todo pensando nela e qual seria o motivo de estar daquele jeito. Assim, refrescando a cabeça, eu também deixaria de ficar achando problema em cada vírgula mal colocada e que gerava um milhão de desconfianças.

Enfim, cabeça ocupada, sem espaço pra bobagens. Tirei algumas ideias ridículas da cabeça, envolvi o objeto em um pano, coloquei dentro de uma bolsa e rumei até a repartição do Governo que trocava armas por uma quantia em dinheiro. O ar da rua me fez bem, o trânsito me deixou alerta, o cheiro de uma padaria aguçou meu paladar, e assim por diante.

Depois de resolver esquecer aqueles pensamentos de uma vez por todas e pensar, positivamente, que aquele comportamento dela poderia ser apenas uma fase ou algo que interpretei mal, resolvi passar na sua casa, ver como estava, se já tinha chegado, fazer um carinho qualquer, combinar algo pra mais tarde e seguir meu caminho pra pegar aquela grana em troca do revolver.

Assim, desviei as três ou quatro quadras a mais que separavam o destino inicial da escala na sua casa, e fui leve ao encontro do prédio onde ela morava, em um lugar que já não tinha tanto movimento como as ruas anteriores. Enfim, era só uma passada rápida mesmo, daquelas pra fazer pensar: “lembre-se que eu existo, estou aqui por ti e pra ti”.

Logo ao dobrar a esquina, vejo um casal na porta do prédio, e sigo caminhando. Era um cara de costas e uma guria no degrau da entrada, abraçando ele por cima dos ombros, nariz com nariz. Continuei e pensei: será que ela já chegou? Será que está em casa? A gente costuma fazer isso no mesmo lugar.

Fui me aproximando, e há uns 30 metros daquele casal eu já tinha percebido que era ela mesma, mas aquele cara não era eu. Ninguém, no universo, soube da raiva que senti. Ninguém no mundo calcula o quanto o sangue ferveu. Eu não cabia em mim, então me aproximei mais um pouco para ter certeza, e tive.

Ela o afastou quando percebeu minha presença, e eu não conseguia sequer falar nada. Tinha uma energia suprema e extrema que tomou conta das minhas atitudes, do meu humor, da minha consciência. Eu sequer conseguia escutar as palavras dela tentando reduzir o que estava mais do que claro. Ali estava eu, em frente aos dois, tomado pela força de um vulcão em erupção, pensamento cego, sentimento abalado, uma imensa sensação indescritível de fúria. E com uma arma na mão.

Ninguém saberia calcular o certo e o errado naquele momento. Ninguém conseguiria medir qualquer atitude tomado de tamanha raiva. As consequências seriam todas justificáveis, e nem seria a primeira vez que isso aconteceria na humanidade. Não havia o discernimento do que era certo e errado. E havia coragem e determinação para fazer absolutamente qualquer coisa.

Houve sangue, mas apenas no meu olho. A raiva virou uma desolação tremenda, mas eu sabia, e isso me bastava, de quem eu era e os valores que eu carregava. Cambaleei, deixei aquela cena com uma tristeza profunda, e ainda ofegante veio a certeza de que a vida pagaria mais do que qualquer coisa que eu fizesse naquele momento, e esse seria o calibre mais poderoso. Prossegui meu caminho com um pensamento firme quando pensava no que recém havia acontecido: o inferno vai ter que esperar.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Aqueles dias mais uma vez

Além do que se vê by Los Hermanos on Grooveshark
Gostaria que soubesse que estou aqui pelo bem. Não vim brigar, não vim discutir, muito menos para me promover ou fazer propaganda de como tudo será belo daqui pra frente. Até porque sabemos que não será assim.

E se ando meio quieto, não pense em bobagem. Ando quieto porque aprendi que não se trata de falar, e sim de fazer, de pensar em quanto cada instante que ficou pra trás foi tão bom ou tão ruim. Eu aprendi, calado, com cada um deles, e sei muito bem o que deve ou não ser feito. Também sei as consequências do que é feito.

E aí tem algo interessante. Eu conheço a situação, te conheço, me conheço, sei de como o caso se trata, e também vejo esse mesmo saber em ti. Ainda não me sinto tão à vontade porque tenho todo o cuidado pra não forçar nada, e preciso de ti pra me dar essa confiança mais uma vez. 

Ainda tenho dificuldade em te dizer tchau. Lembra que quando a gente se despedia eu sempre tinha dificuldade em parar de te olhar? É porque sempre queria mais um pouco do teu rosto e do teu jeito. E também não tem escolha, nem sei o que pensar ou fazer. Não é opcional, eu só gosto de ti e pronto. Vai ver é fruto desse bem inacreditável que tu me traz.

Não gosto de lembrar dos dias vazios e das noites que ficava sem sono e sem tranquilidade, me revirando de um lado para o outro na cama, tentando afastar espíritos que rondavam o teto escuro do meu quarto e de vez em quando desciam para sussurrar em meu ouvido: “que diabos vocês foram fazer um com o outro?”.

Mas eles sumiram. Sei lá o que é o destino, mas ele trocou um hiato por ti e, a partir disso, um fardo de toneladas nas costas foi trocado por um sorriso no rosto. Por isso, retomo as coisas legais que estavam guardadas, deixo ódios e rancores pra quem quiser ficar com eles.

São outros dias, que tu podes estar não só mais na minha cabeça, mas ao meu lado, e se mais uma vez estamos aqui, não é algo pra passar em branco, não é uma história pra parar de ser escrita, não é algo singular deixado de lado. Mas não espera demais também, sinto tua falta e o teu abraço é como dormir em dias chuvosos.

Vamos pensar juntos mais uma vez. A calma e sabedoria do que se quer não nos leva à desistência, e sim ao próximo passo. Ah, sossego, diz pra mim o que é – me mostra como é... Sempre e em qualquer lugar vai ser turbulência dentro de mim quando tu não estiveres.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Sofá


Senta aqui, deixa pra lá
Todas as outras coisas que não falem de nós dois
Vem me abraçar
Deixar o tempo leve como o vento de novembro

Vem pra cá, me dá tua mão
Me rouba um beijo e se desfaz da pretensão
De sermos mais do que já somos
E o mundo que vá se ajustar

Encosta tua cabeça no meu ombro
E deita tua saudade sobre mim
Deixe a sensação que com um pouco de pão
E muito de ti se é feliz
E abraça o que te faz sorrir

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Existem coisas tão óbvias (...)

Fingi na Hora de Rir by Los Hermanos on Grooveshark


Existem coisas tão óbvias, mas tão óbvias, que negá-las é tão contraditório quanto questionar a graça que há entre Peter e Mary Jane. Então, vê se faz melhor essa coisa de agir como se eu não existisse.

O primeiro motivo pra isso? Sim, eu existo, não fui pra Nowhere Land ser o Nowhere Man e fazer meus nowhere plans. Estive e estou aqui, como tu bem pode ver. Admito que passei um tempo trancafiado num quarto procurando em alguma distração fazer com que o tempo passasse e curasse certos machucados. É, nem sempre funciona.

O segundo motivo? Bem, o segundo é que tu faz essa coisa de “ele não existe” muito mal mesmo. Não dá pra fingir que eu não existo catando uma oportunidade pra rondar por perto, deixando escapar comentários ou pensando alto coisas que sussurram “queria que ele soubesse disso”.

O terceiro? Não posso desaparecer do nada contigo prestando atenção no que eu digo, escuto, canto, grito, ou até mesmo calo. Desviar o olhar, corar e abaixar a cabeça ligeiramente, também aviso, não funciona!

Sim, há outras diversas razões – já que tu gosta tanto disso, “razões” – que deixam escapar o óbvio ululante, mas a principal de todas é que ainda vejo afeto nos teus olhos, e onde tem afeto tem vontade, e mesmo com esse jogo de não se conhecer, ainda consigo te fazer rir, então é óbvio mais uma vez que ainda consigo te fazer sorrir como ninguém o fez.

A propósito: a tua própria negação já é uma obviedade.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Réquiem

Dezesseis by Legião Urbana on Grooveshark

18h34min.

Maria preparava a janta baseada na vasta sobra do almoço dominical. Naquele dia, ficou um prato a mais na mesa, o que serviu pra refletir de como uma simples presença fazia falta mesmo se, como de costume, ela estivesse ali com a sua quietude habitual. Os outros fizeram o de sempre: comeram, conversaram qualquer bobagem irrelevante, se atiraram num sofá na tarde preguiçosa e primaveril e depois seguiram seus rumos. Um de volta à viagem, o outro de volta à frente de um computador, o outro pro quarto. Enquanto isso, Maria, com o coração cheio (mas sempre com espaço pra mais um), esperava mais um deles chegar pra perguntar como estava, passar a mão no rosto, desejar boa noite e deixá-lo no seu canto.

Madalena se comunicou com ele pela tarde. Na verdade, era uma sobra de mensagens que ficaram pra trás na noite anterior, com conteúdo cheio de troca de piadas, carinhos e caçoadas subentendidas dentro da bonita amizade que se estabeleceu entre os dois. Ela sabia que ele estaria ocupado durante a tarde com Zeppelin, Beatles, Rolling Stones, e estava feliz por perceber que ele estava empolgado e cheio de vida, fazendo aquilo que gosta, e, assim, estar preenchendo uns espaços dolorosos que, assim como ela, insistiam em latejar no peito. E assim ela esperava ele chegar, pra dar uma volta ao vento, jogar conversa fora, receber um abraço e combinar algo pra semana.

Lucy não sabia onde ele estava. Não tinha o procurado, nem sabia o que pensar quando ele vinha em mente. Mas ele vinha em mente, era inevitável. Ela tinha vontade de lhe falar uma série de coisas e, às vezes, ao deitar, era também inevitável que a história deles, um tanto recente, habitasse sua mal dormida noite ou invadisse seus sonhos. Foi o caso daquelas últimas 24 horas. Ela pensou nele, o quanto as coisas faziam sentido, o quanto certos detalhes eram tão únicas e tão bonitos.

Decidiu não pensar no lado ruim das coisas, naquilo que os atrapalhava e no quanto ficaram perdidos depois que tudo se tornou nada. Decidiu ligar logo que acordou. Ela, enfim, resolveu pensar em redenção de si mesma e das resistências externas. Logo que acordou, decidiu fazer o que tanto gritava dentro dela, deixar de lutar contra si mesmo e ligar para ele. Chegou a pegar o telefone, destravar e travar o teclado várias vezes, no meio disso se contornava dentro do próprio quarto. Os pensamentos se repetiram ao longo de todo aquele dia, mas não se traduziram em atitudes. E já eram 34 minutos daquelas seis da tarde. Por orgulho, falta de coragem ou qualquer outra coisa, não o fez, resolveu deixar as coisas como estavam.

Maria viu Joãozinho sair cedo naquela tarde, com um pão na boca e palavras apressadas. Para Madalena, ele era Johnny, para Lucy, ele era Jude (trocadilho particular de uma das tantas coincidências que compartilhavam). Para os amigos que completavam a banda da cidade próxima, João era o cara: divertido, companheiro, carismático e um coração enorme. E assim, perto das 7 horas, com a tarde quase se esvaindo, ele guardou sua guitarra, deu um aperto de mão em seus colegas de ensaio e de domingo com uma alegria momentânea pela bela tarde que passou e se despediu.

Agora era hora de retomar o caminho de casa, colocar o carro na estrada e chegar ao universo que ele saiu logo após o meio-dia para retornar naquele fim de domingo. Passado a “obrigação” de ter que ensaiar, pensou na vida e na semana que viria. Lembrou de Maria, desejou sua comida quentinha e se perguntou se ela não estaria preocupada. Respondeu às mensagens de Madalena, e com um leve sorriso no rosto achou graça das palavras dela e combinou de encontrá-la mais tarde. Não conseguiu esquecer Lucy, e ao pensar nela em mais uma de tantas vezes, desejou que ela desse qualquer sinal de reaproximação e enfim retomarem o caminho simples e feliz de quem gosta um do outro.


20h17min.

Maria não entendeu quando autoridades bateram na sua porta. Também não entendeu o que eles falaram. Depois, em tom solene, repetiram e ainda sim ela não conseguiu assimilar aquela informação. Despencou. Não conseguiu entender a inversão da ordem vital. Precisou ajuda. A comida ainda estava quente esperando pelo seu Joãozinho.

Nessa hora, Madalena recebia mensagens por redes virtuais e não acreditava nas palavras de quem vinha lhe falar sobre um acontecimento. Achou, em um primeiro momento, uma brincadeira de mau gosto. Veio outra pessoa e lhe deu a mesma notícia. Veio outra pessoa e comentou sobre o mesmo fato. Parou. Não tinha fôlego, tinha ar. O tempo parou incrédulo. Procurou outras pessoas para que lhe dissessem que a verdade era outra. Mas não era.

Lucy voltou a pensar, enfim, em falar com seu “Jude”, solucionar os mal-entendidos e não achar que poderia ser tarde demais. Enquanto imaginava isso, recebeu uma ligação de alguém próximo relatando algo que minutos antes havia acontecido. Teve o mesmo choque das outras pessoas, mas algo gritou forte dentro dela: sim, era tarde demais!


19h56min.

Pra cada segundo antes desse horário, João sentiu e pensou em algo diferente. E cada segundo passou como se fossem anos, cada segundo foi como se fosse o último. No primeiro, assustado com a dupla de luzes em movimentos desconexos e o barulho de pneus que vinham em alta velocidade na sua direção, lembrou de momentos felizes da sua vida junto à sua família. No segundo, um filme de passagens legais junto à Madalena, seus amigos, sua banda. No terceiro, com a luz em velocidade constante e crescente, fechou os olhos e, num fade out sereno, suspirou. Dentro do seu último suspiro, pensou em Lucy e tudo aquilo que não puderam viver. Às 19 horas e 56 minutos daquele domingo, apagou-se uma outra luz devido a uma ligação não feita, em outro lugar, no início da tarde.

domingo, 9 de setembro de 2012

Santuário

Futuro imperfeito (4/4)

All You Need Is Love by "The Beatles 1" on Grooveshark

Como já sabido, aquela história específica foi tirada do ar e, por coincidência ou não, a humanidade como um todo passou, após a mesma data em que tudo foi encerrado sem um final específico, a ser extremamente racional.

Por valorizar demais as falhas e menos o que se sentia, buscava-se a razão acima da emoção. Foi a partir daquele período em que se parou de buscar o que estava dentro do peito, a partir daquele instante o amor foi deixado de lado.

O descobrimento da nossa história daria um novo sentido à condição humana. O comportamento e os valores seriam redescobertos e reescritos. Embora as provações, descrenças e renovação de hábitos, o homem do futuro saberia amar novamente. Levaria tempo, mas assim ele o faria.

Com esse novo pensamento, baseado nos velhos indícios, seria possível algo nunca imaginado por gerações e gerações. Era realmente possível uma coisa jamais imaginada: realizar sonhos e dividir sentimentos, e nenhum deles eram feitos de concreto, sobre rodas ou com quantia qualquer que se poderia existir.

O mundo racional, que por assim ser buscava a perfeição em tudo, deixaria de existir por um argumento óbvio: valeria tentar um futuro imperfeito baseado no emocional do que ser um amontoado de pessoas exatas confundidas com blocos de pedra. Um sentimento era mais forte que todas as razões juntas.

No nosso caso, a história estava lá escrita, os indícios eram aqueles e as provas eram as que foram encontradas, não haveria nada mais além daquilo. Eu não sei o que eu me tornei, talvez um bloco tão frio quanto a pedra que foi jogada em cima de tudo, e sei lá o rumo que tu tomou. Nem procurei saber. Essa história não teve fim, nunca terá. Foi uma obra única, que estava sendo feita a duas mãos, inacabada por motivos que pouco vem ao caso.

Já essa estória, aqui escrita, sequer tem um ponto final. Ela nos leva a uma interrogação, gerada pela descoberta arqueológica e que incomodaria toda a humanidade. Esta questão seria um pensamento incômodo para até o fim dos tempos. Toda vez que se falasse sobre isso, mil hipóteses seriam levantadas, e nenhuma delas explicaria ou entenderia tamanho absurdo: como que aqueles dois ancestrais tinham a capacidade de ter tanto em seu peito, e ao invés de potencializar isso colocavam uma grande pedra em cima?

Santuário

O dia em que o amor morreu (3/4)

Not Dark Yet by Bob Dylan on Grooveshark

Tanto se estudou que as conclusões ficaram claras. Querer, mas ser recíproco. Isso era uma condição pra criação, solidificação e manutenção do tal universo paralelo formado de sentimentos e baseado em um que se sobrepunha aos outros. O ser humano de caráter passional não poderia ser leviano. A paixão tornava alguns pontos fracos, mas ser vencidos por eles poderia ser fatal e assim haveria a ruína/destruição, de um modo ou outro, de todo aquele mundo mágico e possível.

Era uma única condição. E talvez esse universo entre duas pessoas poderia se estender. Sentimentos eram contagiantes e extensivos às outras pessoas, mas era preciso seguir essa condição para que isso ganhasse força. Havia, na literatura popular, frases que se perderam ao longo dos tempos, mas que agora poderiam fazer sentido novamente. Uma delas, de autor desconhecido, dizia que era “preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”. Eis a fórmula, tão clara e popular.

Erros, claro, aconteciam, afinal o ser humano foi e sempre será um ser em evolução, e o erro faz parte do processo evolutivo. Aí entrava outro aspecto importantíssimo da condição humana, também em desuso naqueles dias: o perdão aliado à vontade de querer estar perto, melhorar e evoluir com os próprios desacertos eram remédios acessíveis para os buracos que se formavam na atmosfera de cada casal.

Em estudos a fio, os estudiosos perceberam, sem entender, que em uma determinada noite os indícios foram cortados. As provas passaram a não existir mais, diálogos se calaram, passos foram silenciados e as páginas passaram a ser em branco, com apenas rabiscos e rasuras em algumas delas.

Depois do rompimento, abandono ou término dos elementos daquela história, vontades recíprocas até apareceram, mas o outro elemento (até por mais raro), apelidado pelos historiadores de “perdão mútuo”, foi procurado a esmo nas evidências e nunca foi encontrado.

A tendência nos registros históricos resgatados pelo homem do futuro apontava que na mesma época em que o bloco de pedra foi colocado em cima da nossa história, houve uma mudança na postura de todas as sociedades, então, após a descoberta, elegeu-se o dia da nossa queda como o dia que o amor morreu.

sábado, 8 de setembro de 2012

Santuário

O bloco (part. 2/4)

The End by The Doors on Grooveshark

Uma série de evidências estava embaixo daquele bloco. Em um empoeirado documento, por exemplo, um pensamento escrito: “como é bom escutar algumas canções e lembrar de ti, parece que as nossas almas dançam à distância. E é engraçado como lembrei e te vi em tudo hoje... aquela memória, uma embalagem de bombom solta no quatro, uma palheta achada no bolso que me levou a um dia em que houve um fato em que tu estava, aquela rua por onde passamos, aquele banco que a gente sentou numa tarde qualquer só pra prestar atenção um no outro e deixar o vento e a tarde se irem... Bah, que falta do teu abraço”. Essas evidências em comum eram misturadas com objetos, cartas, filmes, livros, anotações, e tudo com a mesma essência: em tudo que era feito, doava-se à outra pessoa antes de si mesmo.

Essas conexões, atitudes e modo de pensar não faziam o menor sentido para os valores, costumes e crenças daquele novo mundo, que pensava no desenvolvimento lógico da sociedade como um todo, e para isso era desnecessário qualquer ligação emocional tão rica de detalhes que foi vista com surpresa por aquela nova sociedade.

Um banco servia para sentar, como poderiam morar memórias ali? Uma música tinha a finalidade recreativa, educacional ou então para exibição técnica – como que aquelas velhas, ultrapassadas e pouco elaboradas canções poderiam despertar um sentir tão forte? Como uma rua poderia ser cenário inspirador de algo real? Uma rua era apenas uma rua, um instrumento para funcionar o transporte e ponto. Não haveria de ter sentimento nisso tudo, assim pensavam os homens novos. Mas havia.

E assim o novo homem ficava perplexo por saber que coisas tão simples faziam tanta diferença. A fórmula para dar sentido à vida, um sentido que já não existia, estava tão simples e tão clara, diferente de toda complexidade em tudo. Bastava gostar e ter isso de volta. Quando os arqueólogos e estudiosos mais estavam empolgados com a nova descoberta, uma surpresa: em um determinado ponto, essa história foi cortada.

O nosso universo paralelo, documentado, conta a estória de uma história. Ela não teve fim. Nunca terá. Em um determinado espaço de tempo, palavras e atitudes fizeram com que – por arquitetura de um, mas projeto do outro, versa, vice – fosse colocado um enorme bloco de pedra em cima da linha de uma história tão singular. E assim fomos nós dois.

Santuário

O descobrimento (part. 1/4)

The Shrine / An Argument by Fleet Foxes on Grooveshark

Passou-se um bom e considerável tempo. A humanidade mal era a humana. Entre outros, não havia como perceber se os homens controlavam os seus ímpetos consumistas e esvaziados ou se os próprios ímpetos os controlavam. As pessoas eram frias de carne e osso que conviviam com outras máquinas frias de outros materiais.

O amor, ao meio daquele veloz e ao mesmo tempo apático cenário, era considerado apenas uma corrente filosófica, uma teoria lado b que em tempos anteriores poderia haver indícios de que ele poderia ser sentido, ou, em extrema e radical hipótese, vivenciado.

Arqueólogos saudosistas, quase artesanais, que usariam essa atividade mais como um esporte, viram aquela grande pedra em cima de uma história, anos e anos depois, e passaram a estudá-la a fim de entendê-la, buscar provas, classificar o que dá sentido ao ser humano em um sentido antropológico. Mas haveria de ser mais que um estudo.

Embaixo daquele enorme bloco havia todo um universo desconhecido aos atuais. Aquele mundo totalmente voltado ao racional recebeu um tapa na cara das verdades da época: o grande motor da humanidade não estava na ciência, tecnologia ou no que poderia se explicar.

Havia um outro mundo ancestral onde a razão era justificada pela emoção.
De fato, havia coisas sem explicação, mas que eram sentidas mais forte que todas as razões juntas. E a lenda se tornou real: cada vez que duas pessoas se atraiam (consideravelmente) por determinados sentimentos, era criado uma espécie de universo paralelo entre elas.

Na descoberta, havia o nosso mundo escrito, sentido e arquivado com todas suas provas. Mas a história de dois protagonistas equivalentes era escrita por apenas uma e solitária mão. Do meu punho era escrita essa história como se fosse a última canção, e aquelas lembranças e evidências nada mais era que um santuário de sentimentos.

domingo, 26 de agosto de 2012

A estrada chama meu nome

Don't Think Twice, It's All Right by Bob Dylan on Grooveshark

É claro e evidente que eu sempre fui um caso complicado, e isso, passado todo esse tempo, apenas nos leva a crer que assim serei, baby. Pois é nesse ponto que a estrada chama meu nome. Que eu vá me meter em outras confusões e te deixe fora de todo o oitenta que tanto atropela o teu oito.

Talvez, cedo ou tarde, cansado e abatido por mais umas das tantas voltas e tombos que a vida dá, eu volte. E isso é uma certeza. Nasci pra andar, navegar, voar, mas o ponto de partida também é o de chegada. Por mais que a árvore cresça e tome outras proporções, ela descansa na sua raiz.

De maneira nenhuma, quero que me espere. Viva a tua vida, dance conforme a música, sorria sempre que puder, supere sempre que doer, esqueça sempre que der. Como eu disse antes, sou um caso complicado, diferente desses que tu hás de viver. Foi dada a mim uma inquietação na alma, nunca conseguirei fazer nada direito enquanto não aquietá-la.

Assim vou indo, sem qualquer previsão. A estrada chama meu nome e a única coisa que ela exige é: não olhe para trás. Mas não olhe para trás com raiva, eu te ouvi dizer. Sabe-se lá quando voltarei, mas se assim fizer, é por sossego. A partir daí, olharei sereno e tranquilo esse mesmo entardecer campestre que um dia deixei.

Ao lado da minha, haverá uma cadeira. Quem sabe eu não me torno o teu pequeno fazendeiro, sentado na frente da casa de estância, olhando o mini-rebanho pastar, a humilde e artesanal plantação leve a crescer, sentindo os minutos passarem lentos e preguiçosos de uma vez por todas?

Agora, começo onde essa longa e tortuosa estrada vai. Despedidas têm dessas frases clichês - então, antes de ir: quando quiseres me ver, olhe pra dentro de si. De qualquer modo eu estava lá, o tempo todo.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Morada

Something by Jim Sturgess on Grooveshark


Fui e não voltei mais. Está tudo lá, no seu devido lugar. Não retornei à nossa rústica casinha que me encantava os olhos por saber que o teu gosto e o teu toque tiveram guiado tudo em volta. Não era preciso de muito pra ser feliz, era preciso o nosso jeito, o teu jeito.

Eu, num canto confortável, apenas me encolhia com um violão na mão e ficava admirando tu girar pelos cômodos, torcendo para que o tempo passasse leve e demorado, e quando tu parasse da inquietação natural, poder doar meu braço e beijo pra ti.

Aqui fora tentei encontrar sentido em alguma coisa, quase que tentando me enganar que iria achar. Não tinha e nem tem o menor sentido em nada. Se meu estômago embrulha quando lembro de tu passando pra lá e pra cá, linda e simples, com aquela mesma camisa, sei que tu baixa a cabeça em dor ao ler, toda manhã, aquela frase que te escrevi.

Pois o que eu quero é voltar a escutar as mesmas músicas que deixei de lado em um disco que se perdeu da sua agulha, a reler os mesmos versos que hoje morrem lentos em um papel de letras informes, a dar os mesmos puros e tão naturais sorrisos, a acordar e ter motivos pra enfrentar tudo que vem lá de fora.

De modo inato, eu sei que fechastes a porta onde estavam os livros, discos, sorrisos, lembranças, objetos, e onde fica aquele sofá que cabe nos dois, aquela morada onde habita o que te faz e o que me faz feliz.

Eu também fechei, fui andar por aí, viver aquela semi-infeliz-vida que tanto a gente fugia, mas tenho certeza de que assim como tu não descartei nada. Sequer, também como fizestes, tranquei a porta, na esperança de voltar lá, sentar no nosso lugar, te ver entrar novamente, sentir o cheiro da felicidade mais uma vez, dar vida a todo o nosso pequeno, encantador, original, único e ao mesmo tempo imenso universo.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Escombros

Black by Pearl Jam on Grooveshark


A verdade é que não sabia direito que passo dar. Não sabia se havia um passo a dar. Havia? Sequer tinha direção, quem dera ter um andar. Mas andei. Tapeei as cinzas, tropecei na linha errante do destino, mais uma vez. Se antes eu me perdesse, era só olhar o coração e eu saberia aonde ir. Mas e agora?

Tive uma linha do tempo apagada, destruída. Se antes, havia apenas uma direção, havia apenas um caminho a seguir e ser desbravado com a força dos que amam, agora não havia nada. Havia, somente, uma luz em torno de mim mesmo, e o resto era escuridão.

Era uma implosão. Foi derrubado tudo o que se arquitetou, pensou, executou, montou e habitou. Tudo ficou tão velho e a situação era tão incrivelmente nova. Um vazio desmoronado na linha contínua do espaço e tempo.

No meio ainda de tantos destroços achava objetos, lembranças, pedaços. Então resolvi voltar ao primeiro parágrafo, resolvi andar. Eu não sabia direito o que vestir, não sabia ao certo quem procurar, nem o que escutar. Uma coisa que eu tanto soube, e agora não mais: não sabia, ao menos, ser eu mesmo.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Planeje-se

The Lovers Are Losing by Keane on Grooveshark


Há de se pensar na vida. Sempre há, é uma prática comum e natural. Ao invés de viver, a gente tem feito isso, planejado, procurado, estudado as ações, colocado na balança o que é e o que não é útil, essencial e necessário pra nossa felicidade. Mentira. No fundo acho tudo isso uma bobagem, mas, enfim e mesmo assim, tenho dois planos.

O primeiro plano trata-se de trabalhar. É, trabalhar, crescer no mercado de trabalho que eu escolhi. Claro que antes disso vem a escolha da área a atuar, e antes disso ainda, vem uma série de questionamentos se é ou não conveniente fazer aquilo que eu escolhi, e se também tudo isso é viável. Certo, imaginamos que seja.

Mas e viver? Sejamos “adultos”, vamos deixar aquela guitarra de lado, vamos guardar aquelas anotações na gaveta, não vamos àquela conversa à toa de bar entre velhos amigos. Tem trabalho a fazer, não tem tempo pra desperdiçar, e pensar nos lucros futuros não é nada mal, não? Aquele carro, aquela casa, aquele futuro que tanto se quer. Tudo que sair disso é supérfluo e atrapalha.

O suor de agora vai me render bons números depois, não é? Procuramos, ainda, aquele velho sonho americano, de crescer na vida, superar dificuldades, ter bens e serviços, não ser um perdedor, não se tornar um loser.

Meus filhos não gostarão de serem levados à escola com um carro antigo que, apesar de ter laços afetivos e uma história, sejam inferiores ao modelo novo do pai do coleguinha. Eles não gostarão dos seus colegas chamando seu pai de loser. Doa a quem doer, evitemos isso, e vamos mostrar desde cedo aos nossos filhos que eles devem ser vencedores.

Pronto, vida feita, agora é colher os frutos do suor, trabalho, dedicação e empenho. Afetivamente, encontrar alguém disposto a contribuir pra isso, mas que esteja indo na mesma direção, e que ela não seja um incômodo no meu modo de traçar essa felicidade toda.

O segundo plano? Esquece as linhas passadas, esquece essa idiotice toda. O segundo plano é eu estar contigo, pois isso me faz feliz e dá força pra procurar o que realmente me faz feliz. O resto? O resto que se ajeite. O resto se ajeita.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Sobre querer, sentir e orar

In Between Days by The Cure on Grooveshark

Faça de mim o espelho da tua vontade. Simples assim. Quase como uma oração.
Só o teu querer não vai definir teu destino, sejamos realistas. Os dias passam, as coisas mudam, mas é aí que entra algo muito importante: o que se quis do fundo do coração prevalece, perdura, resiste.

O resto é bobagem, é um amontoado de aspirações, desejos e projetos inacabados, e se não fazem parte do hoje, devem ficar exatamente onde estão: no passado. Tente revivê-los, seja pelo que for, e quando menos perceber estará dentro de um poço de ilusões e possibilidades irrisórias, irreais.

Tu vai se sentir sem ar nesse poço, e mesmo assim não terá vontade de lá sair. A ilusão vai te consumir por dentro, vai te comer aos poucos. Cada “e se” vai embrulhar a cabeça e o estômago, e levar até mais um “e se”, e até mais outro, e por aí vai. Por isso, seja o que for, seja real e de coração.

Não comece pensando em desistir, dando chance ao azar e às más interpretações, além de dar a si a chance de ser vão. Se assim for, reveja seu caráter e, com a cabeça no travesseiro, pense se isso mesmo é digno, e se ficaria contente com a recíproca.

Pare de se perguntar em forma de birra: “por que só agora que você vem com essa”? Eu nem expliquei nada ainda, nem almejo explicações. A verdade é que cansei de tanto querer sem dividir, e se bati aqui na tua porta pra te dizer isso é sinal que algo aconteceu, algo está acontecendo.

Estou aqui para simplificar as coisas. Sejamos claros e não covardes. Lembra o que você já esbravejou contra mim, inclusive? Quando se quer, se acha um jeito, quando não...

Deixe de jogar, de pensar, lamentar ou o que for. Repito, já cansei, prefiro guardar energias pro que há de vir. Bata a porta ou me deixe de uma vez por todas habitar a casa do teu sentir. Enfim, ore, mal-diga, como queira. Entretanto, faça de mim o espelho da tua vontade.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

O poeta, o céu e o inferno

Crossroad Blues by Robert Johnson on Grooveshark


Seria o poeta uma alma penada vagando por aí a olhar o que os homens tão concentrados em suas miudíces não conseguem ver e muito menos viver? Sim, seria. E assim, por aí ele segue, retrata o invisível, sente o verdadeiro, explora o inimaginável, nega se render ao cotidianista, vazio e supérfluo modo de viver humano (sem citar suas mediocridades).

Assim sendo, o céu talvez não seja um bom lugar para o poeta. Lá ele não se ajusta, adormece seus pensamentos, e a redenção das alturas seda suas ideias. Ele adormece, tranqüiliza sua tão inquieta alma, e assim deixa o seu olhar leve, sereno, pacato, como o alvi-celeste cenário do quadro em que está envolto.
A poesia precisa de um olhar em chamas, de explosões verborrágicas vindas de dentro para fora, de um sentir flamejante que eleva a temperatura interna do córtex e faz com que ele encandeie o que está por vir em um pedaço qualquer de papel.

Não digo, sobremaneira, que o inferno seja o meu lugar, mas já tenho uma reunião marcada com o anjo que não deu certo, que tanto insiste em querer ter-me por perto. Embora ele já saiba, é provável que os mortais (devido ao tamanho descaso com os que vivem do escrever) desconheçam que a alma de um poeta é um bem raro, único, caro.

O céu não serve, a terra não quer... Nada impede de "ele" ter que pagar um preço bem alto.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Colo

Pink Floyd by Mother on Grooveshark


- Oi... já, meu bem? E daí, como tá?

Ela sabia que ele já havia entrado, mesmo simulando uma contida surpresa, e que o horário era o habitual da sua chegada. Antigas palavras e sentimentos se repetiriam numa doçura impassível de comparação.
- Tudo... O que tu faz aqui essa hora?

Disse ele quase num bocejo retórico e com um resto de humor e contentamento por estar naquele abrigo.
A verdade é que ela sabia desde que ele abriu a porta e dedicou passos incertos pela casa sem a firmeza e vitalidade de sempre que ele já não estava bem. Mesmo assim, ela repetiu os mesmos gestos tão conhecidos, acolhedores e habituais, como se não soubesse que naquele caminhar e resposta estava um espírito decadente, machucado e perdido.

- Ora, eu moro aqui, esqueceu? Fiz uns exames, não fui trabalhar... Já comeu? Respondeu com a mesma graça de sempre.

- E o que deu? Com palidez apática, ele questionou.

- Coisa de rotina... Faz tempo que eu não fazia. O doutor disse pra fazer mais dois, mas só vai dar daqui a 20 dias. A gente paga esse absurdo e tem que esperar todo esse tempo...

Ela acrescentou isso e outras coisas mais, mas sabia que ele não escutava, sabia que a sua cabeça estava distante, que foi uma noite péssima e que a manhã pesou nos seus ombros, endureceu seu cotidiano, desesperançou o seu viver. Não quis perguntar, não quis saber o porquê de mais uma vez ele estar assim.
Ela tinha a sabedoria de quem há mais tempo também havia se machucado e se recuperado tantas outras e tão maiores vezes. Por isso continuou a falar, doce, calma, terna, até porque ele estava ali, em volta, só pra ouvir qualquer coisa na tentativa de tentar se distrair, de desviar o pensamento e voltar ao mundo que desde o nascimento abrigou seu bem-querer.

Foi então, que depois de longos anos, enquanto ela arrumava roupas na cama, que ele voltou a deitar naquele mesmo colo, a sentir aquela mesma segurança e calor infantil em um corpo já com tantas cicatrizes, e o sorriso quebrado ficou leve por instantes, acariciado e abençoado pelo cordão umbilical.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Onde todos giram e eu paro

Esquadros by Adriana Calcanhoto on Grooveshark

Uma família filipina come pizza italiana feita por cozinheiros netos de coreanos que foi entregue por ilegais de El Salvador no bairro judeu de uma cidade originada por imigrantes alemães nos Estados Unidos, enquanto alguém olha para um relógio importado da China de uma vitrine argentina imaginando como seria sua felicidade se fosse surfista neo-zelandês ao invés de despachante imobiliário esperando a morte chegar.

Uma menina pré-adolescente argumenta sobre ser infeliz no amor enquanto assiste a Sessão da Tarde acompanhada do irmão mais velho cheguevarista que veste calçados de grifes multinacionais ao mesmo tempo em que adultos financiam uma casa em sessenta parcelas rezando para que nada aconteça nas suas vidas até pagá-las e cinquentões expressam suas hipocrisias sociais em uma rede virtual que foi popularizada por meninas pré-adolescentes que demonstravam lá suas decepções afetivas.

E quem é esse ladrão arrependido, esse saudosista disposto a se desprender do passado, um casal desistindo, outro tentando, um entusiasta desacreditado e um cético esperançoso? De quem é esse choro invisível de um durão e esse gole de vinho de uma mulher super emotiva que petrificou seu coração?

Em alguma capital, médicos de um hospital lotado se recusam a atender, pelo sistema de saúde público, militantes feridos por policiais que cumpriram, sem nenhum questionamento, a ordem de um governante para agir com violência estúpida e desnecessária contra protestantes grevistas ligados ao mesmo funcionalismo dos policiais e médicos, que reivindicavam melhores condições para o próprio quadro público em que os policiais e médicos estão inseridos e menores remunerações para o executivo, legislativo e as suas respectivas manadas.

Pessoas julgam-se umas às outras em uma cidade interiorana do sul do Brasil.

Lento, rápido, tudo decai, cada mês, dia, noite, segundo, tanto se corre e pouco se sabe aonde ir, tanto se vê o preço de tudo e o valor de nada. Tem horas que cansa, tem horas que enjoa, tem vezes que até enoja-se, satura-se de tudo, e sente-se falta do que ainda nem foi visto. Corre-se sem saber o porquê, aponta-se sem saber para onde. Tanto tudo com tanto nada. Procura-se, mesmo sem notar, uma explicação, uma razão, um caminho e um momento onde o tempo pare e faça sentido.

Eu sei, não por acaso, onde é meu refúgio de tudo, o momento que me salva, o instante que me faz sentir vivo e com fé e me tira de toda a dúvida e confusão cotidiana. O universo pára e nada mais importa e acontece quando aquela voz acaricia, aquela mão segura minha nuca e a cabeça levemente inclina-se para o lado.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Entrei no prédio com a certeza do fim (...)

No Surprises by Radiohead on Grooveshark

Entrei no prédio com a certeza do fim. Os primeiros degraus doeram tanto quanto as lembranças das várias vezes que subimos aquele caminho juntos.

No segundo andar imaginava aonde poderia estar, se voltaria tão cedo àquele que era o nosso lugar, às nossas memórias, ao nosso tanto e tudo. Enquanto eu tentava esquecer o quão duro foi dito, o quão pesado foram os dias e horas anteriores, te imaginava em outro canto da cidade, entre suas armaduras e espadas. Era a tua postura, limpava a maquiagem borrada e seguia em frente enquanto eu juntava os cacos do que foi dito e feito. Nunca culpei por isso, mas agora carregava uma simples dor insuportável e corrosiva ao peito.

Passei pela nossa porta no terceiro andar. Resolvi não entrar. Resolvi ir mais alto e estar convicto que nada impediria o final, que o tamanho da queda seria suficiente. Queria subir mais e evitar passar por todos os objetos que tanto gritavam sobre ti. Mesmo no corredor se ouvia os livros, discos, roupas, manias, as paisagens na rua, os pingos de chuva na janela.

O quarto andar não serviu para se arrepender, para se esquivar de uma situação já mais que inevitável e completamente sem esperança. O que se sentia rumo à última escadaria era só a previsão da sensação do vento batendo no rosto por pequenos instantes eternos, pela fé na descrença e na última marcha. Nada mais importava.

No quinto e último andar me lembrei de quando era criança, que sonhava ser um cosmonauta, estar por entre planetas e galáxias, desbravar o universo com a inocência e pureza infantil. Nessa hora soube que eu voaria, mas não para o espaço, e sim para o que a gravidade me propusera: o fim. Era programado o último voo daquela criança que sempre sonhou voar.

Bastava um simples caminho, sem titubear, com passos cambaleantes mas decididos, e então o terraço chegou, e de lá eu te vi, no parapeito, de braços abertos, vento no cabelo, prestes a fazer o que eu fui destinado a fazer.

Mais uma das tantas boas e más coincidências sobre nós, mais algo pra dividir, e não seria em limbo nenhum. Decidi voltar atrás, decidi não me jogar. Foi quando eu te vi, e desconstruí todas as minhas certezas, em função de uma bem maior, senão magnífica: eu te queria mais do que qualquer coisa.

Foi quando te chamei, foi quando me olhou, foi quando eu percebi que doía tanto em ti quanto em mim, que o teu olhar sangrava tanto quanto o meu, que o teu peito explodia tanto quanto o meu.

Foi quando te busquei para os meus braços, pra te confortar, pra te dar segurança, pra te envolver e pra ter a certeza que ali é o seu lugar. Morria naquela noite fria o nosso orgulho, mas não nós. Morria naquela noite uma série de rancores e mágoas, mas não nós. Do prédio onde morava a nossa turbulenta história, e quase o nosso fim, renascia a certeza de que o amor é maior e que o nosso lugar é aonde o outro pode alcançar, em braços e em coração.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Excalibur

Your Body is A Wonderland by John Mayer on Grooveshark


Tem, pra ti, dentro de si, e assim administra, uma espécie de cofre com um universo dentro dele, e lá reserva outra pessoa e que também é tu mesma, e tudo ao mesmo tempo. Por fora, se defende como um cavaleiro medieval, e assim o faz, com metal, força, intransponibilidade, e sem mostrar muito receio.

Mas por astúcia descobri, por entre toda a armadura, como enxergar o que há por dentro. Descobri um portal, vi uma mínima partícula de universo através da tua íris e fui grande pra ver o que tinha lá. Derrotei o guerreiro por ele ter mostrado inevitavelmente a sua única e singular fraqueza à minha percepção.

É todo o teu mundo, o teu mais puro e o teu mais íntimo, que só se transparece em uma mínima fração de segundo que o teu olhar brilha mais forte, enquanto vira a cabeça de lado e deixa o cabelo no rosto tapar qualquer maior informação. E o que está lá é também o que mais me encanta, me cativa, me toca profundamente.

Então, entendi o sistema daquele reino pessoal. Aquele cavaleiro nada mais do que protegia e servia a sua própria rainha. Protegia nada mais do que o mais íntimo da sua personalidade, aquilo que realmente formava aquela realeza: seu castelo de sentimentos, aspirações, inspirações, pensamentos e desejos.

E tinha em mãos todas as chaves. Só eu. Conquista única, intransferível e incabível de ser feita por outro alguém, assim como fez Arthur com sua espada. Ninguém vai saber o que realmente existe por trás daqueles olhos. Não do modo e com a intensidade que eu vi. Se entrei ou não nesse universo pra ver quão lindo era? Tão óbvio quanto enfim achar o amor e não querer provar.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Orgulhe-se

Look What You've Done (Live) by Jet on Grooveshark


Hoje passei na fila do pão e estava distraído pensando em ti. Vi aquele bombom, aquele mesmo que tu gosta, resolvi te levar. Lembrei daquele baile que te emprestei o meu casaco na saída pra te proteger do frio. Era engraçado como as mangas sobravam e ficava grande no teu corpo, mas mesmo assim estava bonita e engraçada, se lembra?

Além disso, vem a imagem da tua cabeça no meu peito, da gente deitado na grama, no sol morno da primavera, com soninho e a certeza de que não precisaria sair dali nunca mais para ser feliz, se recordou? Penso nos passeios esquecendo o tempo que passava rápido, e só queria te ouvir sem que houvesse amanhã. Lembrou também?

E aquelas tardes de domingo, com algumas notas erradas no violão e vozes falhando, mas mesmo assim tu prestava atenção e pra nós não precisava mais nada, né? Lembro do bótom que te dei pra aquela velha jaqueta que junto com teu tênis e uma calça jeans qualquer te transformava na pessoa mais linda do mundo. Ainda tem?

Penso nos dias, nos abraços e no conforto que tínhamos nos nossos braços. Penso nas chegadas, nas despedidas, nos “boa noites” que me faziam ir flutuando pra casa, nas manhãs que eram pra ser mal dormidas, mas com o coração tão cheio de ti trazia calma e doçura para me fazer adormecer.

Lembrou de tudo isso? Não. Sobraram cenas que viriam de uma história que, em um determinado ponto, manchou-se de orgulho.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

- Oi, tudo bem?

Across The Universe by Escarabajos on Grooveshark


- Oi, tudo bem?

(Por um pequeno instante, uma fração de segundos, uma centelha na linha do tempo que nos conduz, pensei nos lugares por onde andei enquanto ela não estava. Todos aqueles lugares assombrados pela ausência daquela alma que iluminava e coloria ao redor de tudo que me cobria, e que hoje é o palco frio e cinza do meu andar errante.

Naquele breve espaço que compreende uma aspiração, retomei as noites atormentadas pela certeza de acordar sem ter um sentido maior para se levantar. Levantar do quê? A verdade é que foram noites que nem dormi, manhãs que não acordei, sono que eu não tive, e sim turbulências semi-conscientes encostadas em um travesseiro.

Ao segurar o ar e fechar os olhos, antes de responder, retrocedi as tantas tentativas falhas de substituir o espaço que ela deixou. Tentativas em que me sentia sujo, traindo a quem eu encontrava, por estar ali e ao mesmo tempo estar a milhas de distância, trair ao desviar de todo aquele caminho que pensava em trilhar, trair a tudo que eu sentia, até porque nada foi jogado fora, e sim guardado a sete chaves em um relicário dentro do peito, e que era um tesouro proibido e amaldiçoado que deveria ser atirado ao mar.

Veio à cabeça, quando devolvia o ar em modo de suspiro, das tentativas de, dia após dia, lidar com tudo isso, e ter agora a incerteza do que está por vir, de planejar toda e qualquer ação novamente. Afinal, tinha um plano que não cabia qualquer desvio. Depois que “nós” se tornou “eu”, não havia sobrado quase nada, e agora os passos são incertos, questionáveis e indecisos, embora saiba que é preciso repensar cada fio de estrada que terei pela frente.

Então, logo após esse pequeno e enorme espaço de tempo, enfim respondi...)

- Tudo...

quarta-feira, 28 de março de 2012

Nada além das ruas, nada além de sonhos



Nada me importa quando o que me importa é te ver
Mas será que é tão difícil de fazer você acreditar?
Nem o vazio que sinto nem o escuro do meu quarto vai dizer
O quanto sinto, o quanto quero, o quanto eu preciso te encontrar

E eu continuo a enxergar teu rosto em outros rostos
Será que vou estar com você quando isso passar?

Nada além das ruas tão desertas é o que eu tenho para ver
Nada além de sonhos e utopias é o que eu tenho pra fazer
Nada diferente de você é o que eu teno pra pensar
E fico te esperando toda noite até o dia amanhecer

E eu continuo a enxergar teu rosto em outros rostos
Mas sei que vou estar com você quando isso passar

quinta-feira, 22 de março de 2012

Quando a saudade vem, olho pro mar (...)

Dois Barcos by Los Hermanos on Grooveshark


Quando a saudade vem, olho pro mar. Assim, eu e ele já nos tornamos tão íntimos. Mas o quê fazer? Sou mesmo, por essência, a parede de um rochedo formado de sentimentos, e assim sendo sinto forte o bater das ondas de tristeza e alegria, e elas batem, chocam, espalham, carregam, e batem, chocam, espalham, carregam, e batem...

Mas isso se trata do tanto de nada que se estabeleceu no tão vazio e obsoleto espaço de tempo em que tu insistiu em se mudar da morada que aos poucos construíamos em nosso peito, e que agora nada mais é que um lugar em ruínas, à espera de alguma reconstrução, mas olhado com o descaso implacável dos homens do mar quando chegam à terra firme.

E com o mesmo olhar que eu vejo o Atlântico, revejo o que tu deixou naquela noite trôpega e à deriva. Meu corpo pesava mais e mais. Me debatia, agitava a água sem luminosidade à minha volta. Em vão. Não havia o teu cais, que queria tanto alcançar, não havia o teu chão e o teu socorro. Havia, sim, um mar de ilusões, e um farol errante que não me encontrava.

O que ainda não consigo entender, e só sossegarei com o teu sim, é o seguinte: já não percebeu o quanto a gente se deixou levar pela ressaca desse mar chamado sentir? Já não percebeu o quanto estamos náufragos e longe da praia? Já não sabe que essas águas são tão revoltas que é tarde pra voltar? Então me abraça, suspende o peso do ar nos pulmões e vamos deixar-nos se afogar de uma vez por todas em nós dois.

domingo, 18 de março de 2012

O trem

It Ain't Me Babe by Bob Dylan on Grooveshark

Não me importaria em causar danos. Nunca me importei. Não creio que vou me importar. Ser algo único, viver algo único, ter algo único, era tudo o que eu queria. E te encontrei andando pela tua própria estrada, embarcando na tua própria estação. E eu tava ali, do meu lado, vivendo a minha estrada e subindo no meu trem.

Uma hora os trilhos iriam se cruzar. Haveria um momento em que a navegação se perderia. Existiria uma chance, uma única chance, de uma colisão inevitável de sentimentos, paixões, momentos, histórias, acontecimentos. A diferença era que tu esperavas por tudo sentada no seu vagão, enquanto eu, no meu caminho e na minha história e a tudo que tangia a direção desta minha própria história, roubava a direção e assumia o descontrolado controle ao teu encontro e de encontro onde tu estavas.

A cada tanto de estrada que eu movia as rodas com combustível feito de vontades, desejos, aspirações, tudo ficava maior, mais forte, mais tenso e intenso. Era pra lá que eu queria ir, bater contra tudo e contra todos, depois reconstruir a própria trilha, feita de olhares na mesma direção, na mesma velocidade, na mesma estrada a ser tanto andada, talvez com a calma da certeza misturada a forte alimentação de energia do querer-se.

Assim eu fiz. Desviei, mudei os trilhos, procurei outras direções, e fui, fumegante, intenso, apaixonado, implacável, à sua estrada. Mal sabia eu que, antes mesmo de tudo, tu já havia descido em uma outra estação qualquer, em um outro trilho de história que não a minha, em outro horizonte que não era o meu norte.

O certo que, ao menos nesse caso, tudo se mostrou e me mostrou ser impassível, impossível, irreal, a não ser o tamanho, proporção e consequência de todo e qualquer estrago. Eu era um cego maquinista querendo te encontrar. Nem que fosse com danos.

quarta-feira, 14 de março de 2012

(In)limite

Emotion Sickness by Silver Chair on Grooveshark

Olhou no espelho o rascunho do que um dia tivera sido. Lembrou o que acontecera naquele fim de tarde, onde, o mundo a sua volta parecia não existir mais. As paisagens, borradas, eram um conjunto de coisas desconectas e abstratas, e o que se sentia era um misto de vertigem com dor.

Não focava o olhar, não sentia o amargo na boca, ouvia distante e com atraso o barulho constante da indiferente cidade, passava a mão nas paredes na tentativa de fazer ligação entre o seu mundo e o que o rodeava, mas não conseguia.

O que só conseguia sentir com definição era um vazio tão contraditório que apertava o peito, que queimava a alma e dominava qualquer pensamento, qualquer revés, qualquer alternativa.

Em um minuto de lucidez pensou... E assim lembrou que saiu daquele bairro onde estava a casa\palco do que acreditava ser a sua última discussão. Desacreditado por si mesmo, sem esperanças e atormentado, acelerou seu carro até se perder e bater em um obstáculo qualquer.

Foi o suficiente para abandonar o veículo. O cenário com tons de desespero: fumaça, vidros quebrados, um pouco de sangue e passos cambaleantes. Não havia dor exterior, nem adrenalina, nem nada. Seguiu jornada rumo a sua casa, agora entrando em uma das apáticas avenidas que o cercavam.

Não olhou pros lados ao atravessar, não pensou em qualquer um dos muitos carros que atônitos desviavam e quase provocavam estragos em efeito bola de neve. Mesmo assim, parecia indiferente a tudo, a qualquer consequência, e por sorte ou azar, chegou ao outro lado.

Atalhou por um beco arriscado e escuro, lar de drogas, roubos, prostituição e de pessoas más intencionadas que nada tinham em comum com o seu perfil. Não olhou pra ninguém, nem por precaução nem por qualquer tática, e sim por indiferença. Mas todos olhavam com interrogação para aquela imagem despedaçada e não encontravam sentido.

Faltava passar a ponte e andar mais poucos minutos para chegar à sua solitária morada. As poucas luzes artificiais daquela noite escura ofuscavam qualquer passo e ajudavam a tornar aquela pessoa ainda mais anônima na sua obscuridade. Ao andar pela ponte, com passos bambos, olhou várias vezes para baixo, se debruçou nas grades, sem saber definir ao certo altura e distância entre solo e água. Continuou.

Enfim chegou em casa, depois de um dia que não queria terminar. E a retrospectiva de suas horas chegava ao fim. Retomou a consciência e lá estava no banheiro, onde estendeu os punhos, cheios de cicatrizes de outros tempos, até a água que depois levaria ao seu rosto. Respirou fundo, voltou a olhar no espelho um rosto quase desconhecido, aquele mesmo rascunho em ruínas do que fora um dia. Abriu a gaveta e, repetindo a postura que tivera desde as suas conclusões, resolveu não tomar só um comprimido, e sim todo o frasco.

Veio uma nova queda, com o corpo caído no chão e tudo se tornando branco até desaparecer...
Não havia sido uma discussão conclusiva, no entanto, e ao contrário do que pensava. E cinco minutos depois da queda a outra pessoa, a outra metade dos fatos, estava lá para reparar as coisas, dizer que acreditava em algo maior, que a dor seria superada, que embora não importasse o tamanho dos problemas, eles seriam ultrapassados.

Ainda sem saber o que acontecia, acordou no mesmo branco que havia sucumbido, porém com ações técnicas de enfermagem, em um leito de vida, e não de morte. Olhou pro lado e viu a pessoa que foi (antes de mais nada) dizer horas depois do que seria o último ato de desespero de ambos, que nada estava acabado e que juntos trilhariam os obstáculos que o mundo estava por proporcionar, porém, lá, acabou por pegar nos braços um semi-nada, que socorreu até quase tudo estar acabado.

Mas não estava. Ao despertar, ainda que confuso, viu, sentado no canto daquela sala clara, um rosto assustado, mas com um presente sorriso de alívio e sua quase alegria. E tudo voltou a ter sentido, e a vida voltou a se tratar não de desistir, e sim de cair, levantar e se arriscar uma vez mais.

domingo, 11 de março de 2012

Ele tocava no violão a mesma música que ela escutava no rádio (...)

The Scientist by coldplay on Grooveshark


Ele tocava no violão a mesma música que ela escutava no rádio. Ele lia o mesmo que ela citava. Ele pensava nela durante o tempo que ela sentia sua falta. Ela imaginava os lugares que cruzaram juntos quando ele passava sozinho pelos mesmos locais. Ele procurava o que ela escondia. Ele se arrependia de erros, ela não cogitava perdoar. Ele dormia pensando nela, ela acordava sem querer pensar nele. Ele insistia em dizer, ela insistia em não escutar. Ele queria um novo começo, ela queria o velho final. Ela imaginava o quanto ficou pra trás, ele imaginava o quanto ficou por vir. Ela calculava o quanto ele perdeu, ele calculava o quanto ela deixou de ganhar. Ela ainda gostava dele, ele gostava dela ainda. Ele cansava de tentar reverter, ela cansava de tentar entender. Ele esperou até não aguentar, ela aguentou até não querer mais. Mas ele e ela ainda queriam se encontrar. Sem que fosse preciso, ele e ela deixaram um mundo para trás.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Estava tudo pronto (...)

Lack Of Color by Death Cab For Cutie on Grooveshark

Estava tudo pronto. Pano de mesa novo, talheres ajeitados simetricamente com aquela mania de perfeição, dois pratos, dois copos, o bom cheiro de assado que vinha da cozinha e uma brisa de outubro que vinha da janela. E o par também já estava ali. Mas algo insistia em ser ímpar. No primeiro gole de vinho tinto percebi que havia mais uma cadeira na nossa mesa.

Desabitada naquele momento, mas não vazia. A partir disso, por dentro eu era lembrança, inconformidade e inquietude, e por fora era olhar e palavras distantes. E tudo naquela cadeira silenciosa gritava: o sorriso, os gestos, os olhares, a presença marcante e diferenciada, e principalmente o fato de ela não estar ocupada e mesmo assim ocupar-se de toda a noite.

Aquela terceira cadeira rasgava meu jantar e minha calma.