segunda-feira, 28 de maio de 2012

Sobre querer, sentir e orar

In Between Days by The Cure on Grooveshark

Faça de mim o espelho da tua vontade. Simples assim. Quase como uma oração.
Só o teu querer não vai definir teu destino, sejamos realistas. Os dias passam, as coisas mudam, mas é aí que entra algo muito importante: o que se quis do fundo do coração prevalece, perdura, resiste.

O resto é bobagem, é um amontoado de aspirações, desejos e projetos inacabados, e se não fazem parte do hoje, devem ficar exatamente onde estão: no passado. Tente revivê-los, seja pelo que for, e quando menos perceber estará dentro de um poço de ilusões e possibilidades irrisórias, irreais.

Tu vai se sentir sem ar nesse poço, e mesmo assim não terá vontade de lá sair. A ilusão vai te consumir por dentro, vai te comer aos poucos. Cada “e se” vai embrulhar a cabeça e o estômago, e levar até mais um “e se”, e até mais outro, e por aí vai. Por isso, seja o que for, seja real e de coração.

Não comece pensando em desistir, dando chance ao azar e às más interpretações, além de dar a si a chance de ser vão. Se assim for, reveja seu caráter e, com a cabeça no travesseiro, pense se isso mesmo é digno, e se ficaria contente com a recíproca.

Pare de se perguntar em forma de birra: “por que só agora que você vem com essa”? Eu nem expliquei nada ainda, nem almejo explicações. A verdade é que cansei de tanto querer sem dividir, e se bati aqui na tua porta pra te dizer isso é sinal que algo aconteceu, algo está acontecendo.

Estou aqui para simplificar as coisas. Sejamos claros e não covardes. Lembra o que você já esbravejou contra mim, inclusive? Quando se quer, se acha um jeito, quando não...

Deixe de jogar, de pensar, lamentar ou o que for. Repito, já cansei, prefiro guardar energias pro que há de vir. Bata a porta ou me deixe de uma vez por todas habitar a casa do teu sentir. Enfim, ore, mal-diga, como queira. Entretanto, faça de mim o espelho da tua vontade.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

O poeta, o céu e o inferno

Crossroad Blues by Robert Johnson on Grooveshark


Seria o poeta uma alma penada vagando por aí a olhar o que os homens tão concentrados em suas miudíces não conseguem ver e muito menos viver? Sim, seria. E assim, por aí ele segue, retrata o invisível, sente o verdadeiro, explora o inimaginável, nega se render ao cotidianista, vazio e supérfluo modo de viver humano (sem citar suas mediocridades).

Assim sendo, o céu talvez não seja um bom lugar para o poeta. Lá ele não se ajusta, adormece seus pensamentos, e a redenção das alturas seda suas ideias. Ele adormece, tranqüiliza sua tão inquieta alma, e assim deixa o seu olhar leve, sereno, pacato, como o alvi-celeste cenário do quadro em que está envolto.
A poesia precisa de um olhar em chamas, de explosões verborrágicas vindas de dentro para fora, de um sentir flamejante que eleva a temperatura interna do córtex e faz com que ele encandeie o que está por vir em um pedaço qualquer de papel.

Não digo, sobremaneira, que o inferno seja o meu lugar, mas já tenho uma reunião marcada com o anjo que não deu certo, que tanto insiste em querer ter-me por perto. Embora ele já saiba, é provável que os mortais (devido ao tamanho descaso com os que vivem do escrever) desconheçam que a alma de um poeta é um bem raro, único, caro.

O céu não serve, a terra não quer... Nada impede de "ele" ter que pagar um preço bem alto.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Colo

Pink Floyd by Mother on Grooveshark


- Oi... já, meu bem? E daí, como tá?

Ela sabia que ele já havia entrado, mesmo simulando uma contida surpresa, e que o horário era o habitual da sua chegada. Antigas palavras e sentimentos se repetiriam numa doçura impassível de comparação.
- Tudo... O que tu faz aqui essa hora?

Disse ele quase num bocejo retórico e com um resto de humor e contentamento por estar naquele abrigo.
A verdade é que ela sabia desde que ele abriu a porta e dedicou passos incertos pela casa sem a firmeza e vitalidade de sempre que ele já não estava bem. Mesmo assim, ela repetiu os mesmos gestos tão conhecidos, acolhedores e habituais, como se não soubesse que naquele caminhar e resposta estava um espírito decadente, machucado e perdido.

- Ora, eu moro aqui, esqueceu? Fiz uns exames, não fui trabalhar... Já comeu? Respondeu com a mesma graça de sempre.

- E o que deu? Com palidez apática, ele questionou.

- Coisa de rotina... Faz tempo que eu não fazia. O doutor disse pra fazer mais dois, mas só vai dar daqui a 20 dias. A gente paga esse absurdo e tem que esperar todo esse tempo...

Ela acrescentou isso e outras coisas mais, mas sabia que ele não escutava, sabia que a sua cabeça estava distante, que foi uma noite péssima e que a manhã pesou nos seus ombros, endureceu seu cotidiano, desesperançou o seu viver. Não quis perguntar, não quis saber o porquê de mais uma vez ele estar assim.
Ela tinha a sabedoria de quem há mais tempo também havia se machucado e se recuperado tantas outras e tão maiores vezes. Por isso continuou a falar, doce, calma, terna, até porque ele estava ali, em volta, só pra ouvir qualquer coisa na tentativa de tentar se distrair, de desviar o pensamento e voltar ao mundo que desde o nascimento abrigou seu bem-querer.

Foi então, que depois de longos anos, enquanto ela arrumava roupas na cama, que ele voltou a deitar naquele mesmo colo, a sentir aquela mesma segurança e calor infantil em um corpo já com tantas cicatrizes, e o sorriso quebrado ficou leve por instantes, acariciado e abençoado pelo cordão umbilical.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Onde todos giram e eu paro

Esquadros by Adriana Calcanhoto on Grooveshark

Uma família filipina come pizza italiana feita por cozinheiros netos de coreanos que foi entregue por ilegais de El Salvador no bairro judeu de uma cidade originada por imigrantes alemães nos Estados Unidos, enquanto alguém olha para um relógio importado da China de uma vitrine argentina imaginando como seria sua felicidade se fosse surfista neo-zelandês ao invés de despachante imobiliário esperando a morte chegar.

Uma menina pré-adolescente argumenta sobre ser infeliz no amor enquanto assiste a Sessão da Tarde acompanhada do irmão mais velho cheguevarista que veste calçados de grifes multinacionais ao mesmo tempo em que adultos financiam uma casa em sessenta parcelas rezando para que nada aconteça nas suas vidas até pagá-las e cinquentões expressam suas hipocrisias sociais em uma rede virtual que foi popularizada por meninas pré-adolescentes que demonstravam lá suas decepções afetivas.

E quem é esse ladrão arrependido, esse saudosista disposto a se desprender do passado, um casal desistindo, outro tentando, um entusiasta desacreditado e um cético esperançoso? De quem é esse choro invisível de um durão e esse gole de vinho de uma mulher super emotiva que petrificou seu coração?

Em alguma capital, médicos de um hospital lotado se recusam a atender, pelo sistema de saúde público, militantes feridos por policiais que cumpriram, sem nenhum questionamento, a ordem de um governante para agir com violência estúpida e desnecessária contra protestantes grevistas ligados ao mesmo funcionalismo dos policiais e médicos, que reivindicavam melhores condições para o próprio quadro público em que os policiais e médicos estão inseridos e menores remunerações para o executivo, legislativo e as suas respectivas manadas.

Pessoas julgam-se umas às outras em uma cidade interiorana do sul do Brasil.

Lento, rápido, tudo decai, cada mês, dia, noite, segundo, tanto se corre e pouco se sabe aonde ir, tanto se vê o preço de tudo e o valor de nada. Tem horas que cansa, tem horas que enjoa, tem vezes que até enoja-se, satura-se de tudo, e sente-se falta do que ainda nem foi visto. Corre-se sem saber o porquê, aponta-se sem saber para onde. Tanto tudo com tanto nada. Procura-se, mesmo sem notar, uma explicação, uma razão, um caminho e um momento onde o tempo pare e faça sentido.

Eu sei, não por acaso, onde é meu refúgio de tudo, o momento que me salva, o instante que me faz sentir vivo e com fé e me tira de toda a dúvida e confusão cotidiana. O universo pára e nada mais importa e acontece quando aquela voz acaricia, aquela mão segura minha nuca e a cabeça levemente inclina-se para o lado.