domingo, 9 de setembro de 2012

Santuário

Futuro imperfeito (4/4)

All You Need Is Love by "The Beatles 1" on Grooveshark

Como já sabido, aquela história específica foi tirada do ar e, por coincidência ou não, a humanidade como um todo passou, após a mesma data em que tudo foi encerrado sem um final específico, a ser extremamente racional.

Por valorizar demais as falhas e menos o que se sentia, buscava-se a razão acima da emoção. Foi a partir daquele período em que se parou de buscar o que estava dentro do peito, a partir daquele instante o amor foi deixado de lado.

O descobrimento da nossa história daria um novo sentido à condição humana. O comportamento e os valores seriam redescobertos e reescritos. Embora as provações, descrenças e renovação de hábitos, o homem do futuro saberia amar novamente. Levaria tempo, mas assim ele o faria.

Com esse novo pensamento, baseado nos velhos indícios, seria possível algo nunca imaginado por gerações e gerações. Era realmente possível uma coisa jamais imaginada: realizar sonhos e dividir sentimentos, e nenhum deles eram feitos de concreto, sobre rodas ou com quantia qualquer que se poderia existir.

O mundo racional, que por assim ser buscava a perfeição em tudo, deixaria de existir por um argumento óbvio: valeria tentar um futuro imperfeito baseado no emocional do que ser um amontoado de pessoas exatas confundidas com blocos de pedra. Um sentimento era mais forte que todas as razões juntas.

No nosso caso, a história estava lá escrita, os indícios eram aqueles e as provas eram as que foram encontradas, não haveria nada mais além daquilo. Eu não sei o que eu me tornei, talvez um bloco tão frio quanto a pedra que foi jogada em cima de tudo, e sei lá o rumo que tu tomou. Nem procurei saber. Essa história não teve fim, nunca terá. Foi uma obra única, que estava sendo feita a duas mãos, inacabada por motivos que pouco vem ao caso.

Já essa estória, aqui escrita, sequer tem um ponto final. Ela nos leva a uma interrogação, gerada pela descoberta arqueológica e que incomodaria toda a humanidade. Esta questão seria um pensamento incômodo para até o fim dos tempos. Toda vez que se falasse sobre isso, mil hipóteses seriam levantadas, e nenhuma delas explicaria ou entenderia tamanho absurdo: como que aqueles dois ancestrais tinham a capacidade de ter tanto em seu peito, e ao invés de potencializar isso colocavam uma grande pedra em cima?

Santuário

O dia em que o amor morreu (3/4)

Not Dark Yet by Bob Dylan on Grooveshark

Tanto se estudou que as conclusões ficaram claras. Querer, mas ser recíproco. Isso era uma condição pra criação, solidificação e manutenção do tal universo paralelo formado de sentimentos e baseado em um que se sobrepunha aos outros. O ser humano de caráter passional não poderia ser leviano. A paixão tornava alguns pontos fracos, mas ser vencidos por eles poderia ser fatal e assim haveria a ruína/destruição, de um modo ou outro, de todo aquele mundo mágico e possível.

Era uma única condição. E talvez esse universo entre duas pessoas poderia se estender. Sentimentos eram contagiantes e extensivos às outras pessoas, mas era preciso seguir essa condição para que isso ganhasse força. Havia, na literatura popular, frases que se perderam ao longo dos tempos, mas que agora poderiam fazer sentido novamente. Uma delas, de autor desconhecido, dizia que era “preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”. Eis a fórmula, tão clara e popular.

Erros, claro, aconteciam, afinal o ser humano foi e sempre será um ser em evolução, e o erro faz parte do processo evolutivo. Aí entrava outro aspecto importantíssimo da condição humana, também em desuso naqueles dias: o perdão aliado à vontade de querer estar perto, melhorar e evoluir com os próprios desacertos eram remédios acessíveis para os buracos que se formavam na atmosfera de cada casal.

Em estudos a fio, os estudiosos perceberam, sem entender, que em uma determinada noite os indícios foram cortados. As provas passaram a não existir mais, diálogos se calaram, passos foram silenciados e as páginas passaram a ser em branco, com apenas rabiscos e rasuras em algumas delas.

Depois do rompimento, abandono ou término dos elementos daquela história, vontades recíprocas até apareceram, mas o outro elemento (até por mais raro), apelidado pelos historiadores de “perdão mútuo”, foi procurado a esmo nas evidências e nunca foi encontrado.

A tendência nos registros históricos resgatados pelo homem do futuro apontava que na mesma época em que o bloco de pedra foi colocado em cima da nossa história, houve uma mudança na postura de todas as sociedades, então, após a descoberta, elegeu-se o dia da nossa queda como o dia que o amor morreu.

sábado, 8 de setembro de 2012

Santuário

O bloco (part. 2/4)

The End by The Doors on Grooveshark

Uma série de evidências estava embaixo daquele bloco. Em um empoeirado documento, por exemplo, um pensamento escrito: “como é bom escutar algumas canções e lembrar de ti, parece que as nossas almas dançam à distância. E é engraçado como lembrei e te vi em tudo hoje... aquela memória, uma embalagem de bombom solta no quatro, uma palheta achada no bolso que me levou a um dia em que houve um fato em que tu estava, aquela rua por onde passamos, aquele banco que a gente sentou numa tarde qualquer só pra prestar atenção um no outro e deixar o vento e a tarde se irem... Bah, que falta do teu abraço”. Essas evidências em comum eram misturadas com objetos, cartas, filmes, livros, anotações, e tudo com a mesma essência: em tudo que era feito, doava-se à outra pessoa antes de si mesmo.

Essas conexões, atitudes e modo de pensar não faziam o menor sentido para os valores, costumes e crenças daquele novo mundo, que pensava no desenvolvimento lógico da sociedade como um todo, e para isso era desnecessário qualquer ligação emocional tão rica de detalhes que foi vista com surpresa por aquela nova sociedade.

Um banco servia para sentar, como poderiam morar memórias ali? Uma música tinha a finalidade recreativa, educacional ou então para exibição técnica – como que aquelas velhas, ultrapassadas e pouco elaboradas canções poderiam despertar um sentir tão forte? Como uma rua poderia ser cenário inspirador de algo real? Uma rua era apenas uma rua, um instrumento para funcionar o transporte e ponto. Não haveria de ter sentimento nisso tudo, assim pensavam os homens novos. Mas havia.

E assim o novo homem ficava perplexo por saber que coisas tão simples faziam tanta diferença. A fórmula para dar sentido à vida, um sentido que já não existia, estava tão simples e tão clara, diferente de toda complexidade em tudo. Bastava gostar e ter isso de volta. Quando os arqueólogos e estudiosos mais estavam empolgados com a nova descoberta, uma surpresa: em um determinado ponto, essa história foi cortada.

O nosso universo paralelo, documentado, conta a estória de uma história. Ela não teve fim. Nunca terá. Em um determinado espaço de tempo, palavras e atitudes fizeram com que – por arquitetura de um, mas projeto do outro, versa, vice – fosse colocado um enorme bloco de pedra em cima da linha de uma história tão singular. E assim fomos nós dois.

Santuário

O descobrimento (part. 1/4)

The Shrine / An Argument by Fleet Foxes on Grooveshark

Passou-se um bom e considerável tempo. A humanidade mal era a humana. Entre outros, não havia como perceber se os homens controlavam os seus ímpetos consumistas e esvaziados ou se os próprios ímpetos os controlavam. As pessoas eram frias de carne e osso que conviviam com outras máquinas frias de outros materiais.

O amor, ao meio daquele veloz e ao mesmo tempo apático cenário, era considerado apenas uma corrente filosófica, uma teoria lado b que em tempos anteriores poderia haver indícios de que ele poderia ser sentido, ou, em extrema e radical hipótese, vivenciado.

Arqueólogos saudosistas, quase artesanais, que usariam essa atividade mais como um esporte, viram aquela grande pedra em cima de uma história, anos e anos depois, e passaram a estudá-la a fim de entendê-la, buscar provas, classificar o que dá sentido ao ser humano em um sentido antropológico. Mas haveria de ser mais que um estudo.

Embaixo daquele enorme bloco havia todo um universo desconhecido aos atuais. Aquele mundo totalmente voltado ao racional recebeu um tapa na cara das verdades da época: o grande motor da humanidade não estava na ciência, tecnologia ou no que poderia se explicar.

Havia um outro mundo ancestral onde a razão era justificada pela emoção.
De fato, havia coisas sem explicação, mas que eram sentidas mais forte que todas as razões juntas. E a lenda se tornou real: cada vez que duas pessoas se atraiam (consideravelmente) por determinados sentimentos, era criado uma espécie de universo paralelo entre elas.

Na descoberta, havia o nosso mundo escrito, sentido e arquivado com todas suas provas. Mas a história de dois protagonistas equivalentes era escrita por apenas uma e solitária mão. Do meu punho era escrita essa história como se fosse a última canção, e aquelas lembranças e evidências nada mais era que um santuário de sentimentos.